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    Vinicius Mota

    Ótica do tudo ou nada não serve para enxergar a crise brasileira

    29/05/2017 02h00

    Philip V. Allingham
    "O personagem Sydney Carton prestes a ser guilhotinado, na ilustração de Harry Furniss para o romance de Dickens"http://www.victorianweb.org/art/illustration/furniss/91.html
    Sydney Carton prestes a ser guilhotinado, na ilustração de Harry Furniss para o romance de Dickens

    SÃO PAULO - Poucas aberturas de romance são tão trovejantes como a de "Um Conto de Duas Cidades", de Charles Dickens. "Era o melhor dos tempos, era o pior dos tempos; (...) era a estação das Luzes, era a estação das Trevas; era a primavera da esperança, era o inverno do desespero."

    A Paris revolucionária do final do século 18, onde os personagens londrinos Darnay e Carton vivem a sua agonia, torna verossímil a imagética apocalíptica contida naquelas sentenças iniciais. O Brasil em transe desde 2013 não é para tanto.

    A violência ao final do último protesto em Brasília não destoou da habitual. Células neoanarquistas abrigadas nas marchas da esquerda botaram para quebrar.

    Não há multidões a guerrear contra o statu quo. Tampouco há tropas do czar patrocinando banhos de sangue em reação. As PMs são mal preparadas para a repressão, mas não deixaram rastro de cadáveres ao atuarem nos protestos, alguns bem violentos, dos últimos quatro anos.

    O "Exército nas ruas" era uma piada das redes esquerdistas que às vezes gostam de alegorias como as de Dickens. Um punhado de soldados a resguardar prédios da União após as depredações em nada remete a autoritarismo ou ditadura.

    O chamado mercado também tem seus momentos barrocos. O "tudo ou nada" associado à realização breve da reforma da Previdência é um exagero. Vamos logo observar indicadores e expectativas se acomodarem, com prejuízo modesto, à perspectiva de que esse importante acerto de contas aconteça apenas em 2019.

    E o que dizer das propostas que brotam no noticiário de punição coletiva aos políticos com atropelo de regras constitucionais? Antecipar eleições gerais? Com que poder revolucionário o faríamos? Quem lideraria a cruzada? Os templários do Ministério Público e do Poder Judiciário?

    Um pouco de ceticismo nos faria bem. O Brasil não vai acabar nem se salvar amanhã.

    vinicius mota

    É secretário de Redação da Folha. Foi editor de Opinião (coordenador dos editoriais) e do caderno 'Mundo'.
    Escreve às segundas-feiras.

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