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    Vinicius Mota

    Se delinquir, delate

    19/06/2017 02h00

    Danilo Verpa/Folhapress
    O empresário Joesley Batista, que fez acordo de delação premiada com o Ministério Público

    SÃO PAULO - O Brasil, que há pouco tempo entrou para o clube da delação premiada, logo descobriu o potencial dessa ferramenta para enfrentar esquemas de corrupção inseridos no funcionamento do governo. Avoluma-se, contudo, a sensação de que estamos nos lambuzando com o melado recém-descoberto.

    Quando não há limites para delatar, o conjunto de incentivos que deveria levar ao bem maior para a sociedade entra em parafuso. A teoria recomenda restringir os prêmios ao primeiro a entregar os comparsas. Exige que os relatos sejam sustentados por sólidas provas factuais.

    A afoiteza de procuradores e a esperteza de criminosos confessos, entretanto, vão alargando as fronteiras do instituto no Brasil. É difícil encontrar caso no mundo em que se foi tão longe com delações premiadas.

    Agora se aceita, sem tempo para análise detalhada, um vasto lote de doações registradas na Justiça Eleitoral como evidência de múltiplos atos de suborno. Ou se demonstra, uma a uma, qual foi a contrapartida ilícita desses repasses, ou essas provas vão morrer, e os procuradores terão comprado gato por lebre.

    A lentidão judicial dificulta a avaliação em tempo hábil do que foi exposto pelos delatores. Eles desfrutam dos benefícios à vista, mas a ameaça de perda do bônus por terem mentido quase inexiste de tão distante.

    O sistema de adesões sucessivas favorece relatos que confirmem as teorias acusatórias da Procuradoria e desincentiva os que as contradigam.

    Está aberta a via para um ciclo de delações interminável –e potencialmente infernal, porque composto de informações de difícil verificação.

    Se delinquir, procure botar a culpa em alguém próximo. Se ainda não há grandes banqueiros na história, encontre algum em suas relações. Se ainda não há juízes do Supremo, envolva um. E que tal enlaçar um procurador de seu círculo? A guilhotina, afinal, não serviu apenas aos jacobinos. Serviu-se deles também.

    vinicius mota

    É secretário de Redação da Folha. Foi editor de Opinião (coordenador dos editoriais) e do caderno 'Mundo'.
    Escreve às segundas-feiras.

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