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    Vinicius Torres Freire

    Volta Lula, volta FHC

    19/03/2014 03h00

    Parte do PT plantou o espantalho de Lula no caminho da candidatura Dilma Rousseff a fim de pressionar a própria presidente e de assustar as oposições com uma ameaça nuclear, uma bomba que seria detonada caso o governo se desmilinguísse.

    No final de 2013, surgiu o boato precaríssimo de que FHC poderia ser vice de Aécio Neves. Neste mês, a persistência e a difusão do rumor fizeram com que FHC até se dignasse a negá-lo.

    Conjecturas políticas até podem passar do impalpável absurdo à encarnação espantosa, "a política é como uma nuvem" etc. Mas essas especulações interessam muito mais pelo que dizem das pré-candidaturas oficiais, por ora desenxabidas, do que pela improvável reviravolta que possam antecipar.

    O país está inquieto, quando não tenso, como se, agitado na plateia, à espera do extraordinário, assistisse ao ensaio de uma peça velha com um elenco sem graça.

    Os governos de FHC e Lula tiveram um quê de extraordinário. Além do mais, o tempo já os recobre de alguma pátina mítica ou mistificadora, a depender da boa vontade do freguês. Os dois lidaram de modo razoavelmente bem-sucedido com problemas brasileiros seculares, como inflação e desigualdade (lidaram, não resolveram).

    FHC mal e mal colocou em certa ordem um país que vinha de uma década de colapso econômico. Lula, mal ou bem, tomou medidas que tornaram impossível, dali em diante, varrer para baixo do tapete o enfrentamento prático da desigualdade.

    Nenhum dos dois era "carismático", seja lá como se defina o termo. FHC era um político mais intelectual que jamais fora "pop" ou estivera na seleção de presidenciáveis da política-politiqueira; chegou a se definir como "presidente acidental". O agora "carismático" Lula perdeu três eleições presidenciais.

    Cada um a seu modo muito diferente, demonstraram grande habilidade para agregar e conciliar. Descobriram um rumo decisivo pra suas carreiras e governos; dada a pasmaceira do Brasil, conduziram mudanças importantes. Tiveram "virtù" e "fortuna". Talvez os aspirantes a presidente não tenham nem uma coisa nem possam contar com a outra.

    O tucano tirou o país de uma hiperinflação sem os traumas típicos dessa situação, sem bater de frente com os problemas que a causavam, solução que envolveria conflitos agudos de redistribuição de renda e poder (sem o que, enfim, a carga tributária e a dívida pública tiveram de crescer).

    Lula fez uma redistribuição de renda em que o Estado praticamente não buliu com renda e riqueza (mais aumentou gastos do que redistribuiu renda por meio de reforma da tributação ou outras, mais profundas).

    Os dois fizeram, pois, mágicas e milagres, reformas conciliadoras, plantaram os trilhos da mudança econômica e social. Mas, de certo modo, puderam "gastar" para fazê-lo (cobrar mais impostos, fazer mais dívida, conciliar classes ao extremo).

    FHC e Lula trataram de problemas graves contornando o quanto possível o conflito. Tinham habilidade, história, grupos político socialmente relevantes, desbravaram matos que ora contam com estradas.

    Tanto pelos méritos e novidades de FHC e Lula como pelos passivos que deixaram, ficou mais difícil ser extraordinário. O que, decerto, também não é uma desculpa para a mediocridade, a tibieza e a demagogia.

    vinicius torres freire

    Está na Folha desde 1991.
    Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.

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