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    Vinicius Torres Freire

    Poesia e rigor no Banco Central

    04/04/2014 03h00

    O poeta João Cabral de Melo Neto, rigoroso e "cerebral", disse uma vez não acreditar em inspiração; inspirava-se mais com as aspirinas que tomava para a sua enxaqueca lendária. Mas, caso a musa desse o ar da graça, não dispensaria o presente.

    O Banco Central do Brasil jamais vai dizer que vai dar um jeito no preço do dólar de modo a controlar a inflação. Mas, se calhar de o dólar estar mais baratinho, pode deixar de aumentar a taxa de juros? O BC vai tomar mais aspirinas ou aproveitar a inspiração?

    A esta altura do campeonato, um aumento de 11% para 11,25% na taxa "básica" de juros, na Selic, parando por aí, talvez não faça muita diferença mesmo (a conversa seria outra se a alternativa fosse levar a Selic a 12,5%, 13%, o nível que muita gente julga necessário para levar a inflação para a meta lá pelo final do ano que vem).

    A economia já anda devagar quase parando. O efeito de quase um ano e paulada de aumento de juros tende a aparecer com mais força a partir do final do ano, segundo os entendidos em política monetária. Torna-se quase uma pilhéria o cálculo das probabilidades do efeito adicional de um aumento de 0,25 ponto percentual na Selic.

    Além do mais, houve essa calmaria recente na praça financeira mundial, a recuperação do preço dos ativos de países "emergentes", "frágeis" ou não, em parte alimentada pela alta de juros, do Brasil à Turquia. O preço das ações dos "emergentes" chegou ao nível mais alto em três meses. As moedas "frágeis" se recuperaram em parte (lira turca, real, rupia indiana, rand sul-africano).

    Dá para confiar na calmaria? Não, claro que não. A nova direção do banco central americano, o Fed, parece bem mansinha a respeito da necessidade de antecipar a alta de juros nos Estados Unidos (uma alta de juros por lá vai causar estragos temporários, "de transição", por aqui). No entanto, uma piscadela torta de Janet Yellen, a presidente do Fed, ou um mês de estatísticas econômicas positivas (mas nem por isso conclusivas) podem provocar aquelas reviravoltas maníacas no mercado (já vimos três dessas desde maio do ano passado).

    A possibilidade de rolos potencialmente explosivos não para por aí, é bem sabido. Há a eleição no Brasil, a incerteza a respeito do que o governo fará de seus gastos, a percepção de risco de racionamento de eletricidade e o represamento crescente de preços, com rompimento provável de diques em 2015. Lá fora, de resto, ainda tem o risco China, as loucuras geopolíticas recorrentes (qual será a "próxima Ucrânia"?), eleições em "emergentes" importantes.

    Considere-se, enfim, que o dólar foi a R$ 2,43 em agosto de 2012, mergulhou para R$ 2,18 em meados de outubro e decolou de novo para mais de R$ 2,40 em janeiro deste ano, isso tudo com o Banco Central operando pesadamente no mercado. É uma volatilidade demencial; para piorar, dado o estado da nossa economia, a expectativa de médio prazo é de desvalorização do real.

    Obviamente, a direção do Banco Central sabe disso tudo e de muito mais. Ainda assim, será que o BC acha que, afora os chiliques eventuais do câmbio, dá para segurar
    o dólar no meio do caminho entre R$ 2,18 e R$ 2,43, lá pela casa "média" dos R$ 2,30?

    vinicius torres freire

    Está na Folha desde 1991.
    Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.

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