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    Vinicius Torres Freire

    O povo está irritado

    DE SÃO PAULO

    24/04/2014 03h00

    Daqui a menos de dois meses começa a Copa. Os candidatos a presidente fazem as festinhas de lançamento oficial de seus nomes. Os Protestos de Junho fazem um ano. Um ano de mal estar extra com a incivilidade brasileira.

    Um ano em que, de vez em quando, espirra óleo quente da panela: uma revolta no Pavão-Pavãozinho, mais ônibus queimados na periferia de São Paulo, para mencionar as queimaduras mais recentes.

    Nos dias da Copa e do aniversário do "Junho de 2013" pode haver novo pico de mau humor. Os milhares de candidatos a alguma coisa terão o que conversar com o público?

    Um ano depois das propostas de pactos e de constituintes e até do esquentamento de ânimos revolucionários marginais, a conversa não melhorou de nível. A impaciência do eleitorado borbulha em fogo baixo.

    O cansaço não é crítico, mas crônico. O Datafolha registra um nível de insegurança econômica inédito desde os piores dias de FHC, embora a situação econômica e social seja muito melhor agora. Vários números da pesquisa mostram que existe um desejo vago porém inequívoco de mudança, um "não-sei-quê" de anseio por outra história, a qual não parece ser contada por nenhum candidato ou partido.

    É um despropósito dizer que há tumulto no país, mas muita gente está disposta a mostrar na rua, com tumulto se for preciso, que a paciência acabou. Os moradores de bairros pobres do Rio, vítimas de bandidos ou da banda podre das polícias "descem o morro" mês sim, mês não, a fim de dizer que não toleram mais tortura e assassinato seguidos de fraude policial e de outros esbulhos de direitos civis. No fundo, claro, cansaram de viver calados em zona de guerra civil molecular.

    Em São Paulo, o incêndio de ônibus se tornou endêmico. Mais foram queimados até agora em 2014 do que em todo ano passado. Em muitos desses tumultos, pobres revoltam-se com violências várias (da repressão ao funk ao crime) e, por vezes, tornam-se instrumento de bandidos organizados. Nada disso é por acaso.

    A princípio, é improvável que o clima melhore até junho. Houve greves de policiais, como a da Bahia, e há ou outras, planejadas. Há protestos previstos contra a Copa; noutro plano, sindicatos querem aproveitar a oportunidade a fim de obter acordos melhores, ameaçando greves.

    Para temperar a situação, há vexames em penca dos desclassificados da política.

    Surgem os primeiros indícios, muito preliminares, de problemas no emprego. O número de pessoas ocupadas parou de crescer nas grandes metrópoles. As fábricas de carros ameaçam demitir.

    A inflação, o "ruído de fundo" que irradia da política econômica ruim, subiu ainda mais por acidente climático, pinçando o nervo mais sensível, o preço da comida.

    "Imagina" se houver racionamento na maior metrópole do país, São Paulo, 20 milhões de pessoas já esquentadas submetidas ainda por cima à falta d'água.

    Tudo parece "fait divers", notícias variadas do cotidiano, ainda que horríveis. Só que não. São sintomas de inépcias e negligências "estruturantes", como dizem tecnocratas.

    Dos candidatos, quase silêncio, fora os oportunismos de costume. Ninguém conversa com o cidadão. Cada um a seu modo, FHC e Lula souberam conversar.

    vinicius torres freire

    Está na Folha desde 1991.
    Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.

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