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    Vinicius Torres Freire

    Lula e Dilma, emenda e soneto

    11/06/2014 02h00

    Há gente no PT para quem a presidente Dilma Rousseff deve publicar pelo menos algo como um bilhetinho ao povo brasileiro, uma versão em escala reduzida da "Carta ao Povo Brasileiro", aquela que Lula divulgou na campanha de 2002 a fim de dizer que seu partido abria mão de maluquices programáticas.

    Além da pressão desses petistas, em geral paulistas, o próprio Lula voltou a pedir uma emenda no soneto dilmiano. O zunido a respeito do assunto voltou a ficar mais alto desde a semana passada, quando Lula outra vez reclamou dos resultados econômicos do governo Dilma Rousseff. Trata-se da segunda rodada de "reclamações" de Lula desde o começo de abril.

    Não se pode chamar de "crítica" essa conversa do ex-presidente, pois não há raciocínio ou proposta de soluções organizados. Lula está ralhando com Dilma e incitando a afilhada a "reagir" politicamente. Ou então faz jogo de cena.

    Em abril, como se recorda, Lula negara sua candidatura estepe em 2014, reafirmando apoio a Dilma. Como que em troca, manifestava seu desejo de tutelar a presidente, que teria de "dizer claramente como a gente vai melhorar a economia".

    Na quinta e na sexta-feira passadas, Lula tratou do desempenho econômico do governo em dois discursos públicos. Depois, a portas fechadas, cobrou líderes do PT e da campanha dilmiana.

    Segundo o Painel, desta Folha, o ex-presidente "está irritado com a desaceleração da economia e preocupado com seus efeitos na eleição"; está cobrando "medidas de impacto para recuperar a confiança dos investidores".

    Lula não sugeriu medida específica, mas reclamou que o governo "está sem reação".

    Do que Lula disse em público, na semana passada, é possível chegar penosamente ao seguinte resumo:

    1) A inflação também "incomoda" o ex-presidente, que gostaria de vê-la no nível de 4,5%, talvez 3,5%;

    2) Parece que meio de brincadeira, mas significativamente, Lula reclamou que o Tesouro segura dinheiro demais e que o governo não trata de tomar medidas para o crédito deslanchar, pois não temos "inflação de demanda" (sic);

    3) A cereja, ou melhor, a melancia deste bolo foi a seguinte frase, dita na sexta-feira, quando Lula fez queixas de "brincadeirinha" sobre restrições a gastos e crédito: "Não temos que ter medo. Acho que temos que ficar um pouco mais afoitos agora. Apenas seguir a rotina técnica não dá mais certo".

    É fácil perceber que nada disso faz sentido, nem difere do que foi feito sob Dilma enquanto o governo não chegou à pindaíba e ao descrédito. Nem Lula nem Dilma acreditam que inflação seja um problema, se é que entendem de fato o que seja inflação. O ex-presidente parece sugerir que se "toque o pau na máquina", o que na presente situação pioraria a carestia, se não causasse tumulto e mau humor ainda maior entre o "empresariado" e outros donos do dinheiro grosso.

    É óbvio que a promoção de barafunda adicional não se coaduna com a ideia de "ganhar a confiança dos investidores", seja lá qual for o sentido que Lula quis dar à frase.

    Ficam as dúvidas importantes: 1) A pressão de Lula é para valer ou para jogar para a galera?; 2) O governo Dilma vai fazer algo a respeito (jogar lenha na fogueira)?

    vinicius torres freire

    Está na Folha desde 1991.
    Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.

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