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    Vinicius Torres Freire

    Os Brasis rasgam a fantasia

    DE SÃO PAULO

    26/10/2014 02h25

    MUITA GENTE saiu no grito na São Paulo do último debate da campanha, na noite de sexta-feira, quando esta coluna era escrita.

    Nos bairros da velha classe média ou da classe alta de sempre, pessoas berravam pelas janelas insultos típicos de dias de futebol, entre os quais aquele imperativo na segunda pessoa do singular que pretende sugerir humilhação sexual. Também gritavam "fora Dilma", "morra Dilma" e quadrinhas que terminavam em rimas com "Dilma, a casa caiu". Vociferava-se contra nordestinos.

    Vai durar? A campanha de 2010 foi odienta, embora dois tons abaixo do que se viu em 2014. Algumas semanas depois, o clima desanuviou, até porque Dilma Rousseff estreou suavemente na Presidência.

    Não é em si mesmo mau que diferenças políticas e sociais tenham se explicitado tanto nesta campanha, nem isso é uma jabuticaba.

    Quanto a baixarias, de lado a lado, considerem as campanhas americanas. Quanto a "país dividido", lembre-se do exemplo das "lutas de classe em França", a Europa. Um aspecto do conservadorismo brasileiro consiste em borrar diferenças sociais, políticas, por meio de populismo ou de conversas fiadas sobre união nacional.

    Curioso é que não se trava uma disputa concreta e profunda sobre a divisão do bolo. Há excesso retórico. Não estão sendo impostas perdas decisivas a um grupo, "classe", em benefício de outro. A economia de Dilma Rousseff é inepta, nem mesmo é reformista. As políticas sociais são suaves. Aliás, essa divisão entre "política econômica" e "social" é grosseira e mistificadora, mas passemos.

    Essa "divisão", muito intensa entre as classes "formadoras de opinião" (delas mesmas), perpassa a sociedade inteira ou grande parte dela? As vitórias e políticas do PT reforçaram identidades e aspirações, o que criou limites para a indiferença em relação aos pobres.

    Essas vitórias, assim como a burocratização, o acaudilhamento e a corrupção do partido contribuíram também para reduzir o ímpeto militante de movimentos sociais, quando não para degradá-lo em apêndice estatal.

    Sim, algo muda, não se sabe para onde. Junho de 2013, antes tido como prévia mudancista ou até mais que isso, agora é desprezado, depois de tanto voto conservador. Mas o ruído de fundo dessa explosão continua, audível na irritação contra o padrão de política partidária, seus estilhaços são visíveis quando grupos sociais rasgam a fantasia e explicitam seus interesses, embora tudo seja ainda muito tosco.

    A mudança é em parte sombria. O confronto entre PT e imprensa. Gente do PSDB com tiques de UDN golpista ("não deve ser eleito, se eleito, não deve tomar posse etc"; o "voto dos ignorantes"; "Dilma não teve maioria"). O PT a manipular instituições de Estado (escondendo informações, por exemplo). Intervenções autoritárias e ineptas na economia que querem se passar por progressismo.

    A espuma mais tola disso tudo pode se dissipar logo, como já ocorreu com tantos momentos tensos dos últimos 20 anos. Ou pode transbordar para um ano difícil, de crise política devido ao Petrolão, de lerdeza econômica, de riscos de racionamentos, de desejo de vingança do partido derrotado.

    vinicius torres freire

    Está na Folha desde 1991.
    Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.

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