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    Vinicius Torres Freire

    A presidente viaja nos números

    13/11/2014 02h00

    O governo do Brasil é um dos poucos do G20 que não estão no vermelho, disse ontem a presidente, durante uma viagem. A presidente está a caminho da Austrália, para a reunião de cúpula do G20.

    Dilma Rousseff referia-se ao fato de que apenas três ou quatro dos governos das 19 maiores economias do mundo vão gastar menos do que arrecadam: vão ter superavit primário neste ano (a União Europeia é o vigésimo integrante do G20).

    É verdade o que diz a presidente. Mas a comparação não tem cabimento quase algum e é irrelevante para o debate dos problemas econômicos brasileiros.

    Dilma Rousseff pretendia refutar as críticas de que seu governo estourou as contas de modo inédito desde 1997, o que vai contribuir para as agruras econômicas de 2015.

    A presidente referia-se ao saldo primário das contas dos governos, a diferença entre receita e despesa, desconsiderados os gastos com juros. No G20, apenas Arábia Saudita, Itália e Alemanha devem ter superavit primário.

    Considerada a conta de juros, o Brasil cai na melhor das hipóteses para 11° lugar. Dadas as calamidades recentes, deve ficar em 15º entre 19 países. Mas, posta nesses termos, a querela da numeralha ainda é uma bobice.

    Apenas o governo do Egito gasta mais com juros do que o do Brasil, quando se mede tal despesa como proporção do PIB, consideradas as 74 economias mais relevantes do mundo. Trocando em miúdos, isso quer dizer que o governo do Brasil paga caro demais para financiar seus deficit e refinanciar, rolar, sua dívida. A taxa de juros é alta, a dívida é relativamente alta, embora a presidente faça pouco dela, dizendo que é uma das menores do G20.

    Considere-se o caso do governo de um país com deficit e dívidas teratológicos, o Japão. A dívida bruta neste ano deve ser de 245% do PIB (Brasil: 65% do PIB), o deficit primário é de 6,2% do PIB (zero no Brasil). O Japão deve gastar 0,8% do PIB com juros. O Brasil, mais de 5%.

    O Brasil está entre a dúzia de países com as maiores necessidades de financiamento de curto prazo (o dinheiro que tem de arrumar em um ano). Quer dizer, entre os que mais têm de pedir emprestado para cobrir o rombo anual e refinanciar a dívida que vence no ano, mas que vai rolar para o futuro.

    O Brasil está na companhia ilustre de Japão, EUA e França, de países europeus que praticamente quebraram na crise (Portugal, Espanha, Itália) e de cronicamente endividados, como Hungria.

    Mas os governos de Japão, EUA e França pagam juros miudinhos nos empréstimos que tomam para cobrir deficit (entre 0,5% e 2,5% ao ano, para empréstimos de dez anos). O do Brasil paga mais de 12%. Quase todos esses dados baseiam-se no Monitor Fiscal do FMI.

    É fácil perceber, pois, que o governo do Brasil tem de ser mais comedido que países com dívidas ou deficit relativamente maiores. O crédito do governo do Brasil é ruim.

    De resto, na presente situação, deficit maiores implicam inflação, juros e dívidas maiores, o que prejudica o crescimento, o que prejudica a receita do governo, o que realimenta o ciclo vicioso. Para piorar, a conta de juros alimenta o Bolsa Rico, os juros pagos para os credores do governo, os que têm dinheiro de sobra para emprestar.

    vinicius torres freire

    Está na Folha desde 1991.
    Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.

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