• Colunistas

    Tuesday, 07-May-2024 07:52:34 -03
    Vinicius Torres Freire

    A fantástica economia de Cuba

    18/12/2014 02h00

    A economia de Cuba é fantástica. É uma fantasia ruim porque não há como saber o custo real de quase nada. Preços e rendimentos são definidos. Se não se conhece o custo de quase nada, não há como saber da racionalidade de decisões econômicas. A economia é fantástica porque habita um universo paralelo ao nosso, de economias mais ou menos de mercado.

    A economia de Cuba pode ser fantástica de outro modo, caso o fim da baixaria americana redunde em reformas e liberdades. No reino das fantasias boas, mas não totalmente despropositadas, pode se tornar caso único de economia socialista de mercado.

    Sim, há os Castro, militares corruptos e burocratas com a ambição de se tornarem plutocratas à la russa. Seria preciso que o povo controlasse a reforma. Instituições e milhares de pequenos costumes que constituem a realidade cotidiana podem ser problema: os cubanos saberiam ser empreendedores eficientes?

    Cuba em tese é uma economia de US$ 77 bilhões para 11,3 milhões de pessoas: uma renda média de uns US$ 6.800, o equivalente à metade da brasileira, algo assim como Pernambuco ou Sergipe.

    O país não tem propriamente moeda. Como preços e rendimentos são tabelados pelo governo, a moeda cubana de uso comum e oficial equivale em essência a um cupom de racionamento. Os rendimentos, salários e retorno das empresas, são distribuídos por decreto.

    Pelos dados oficiais, parece que Cuba investe muito pouco (equivalente à metade do Brasil); sua economia é basicamente de serviços ineficientes. Não tem deficit externo. Em suma, quase não recebe investimento externo, afora influxos regulares e regulados, em geral da Espanha e, recente, do Brasil. Recebe remessas de famílias cubanas nos EUA; a minguante ajuda da falida Venezuela.

    Mas as pessoas de fato foram à escola, têm saúde básica e o país até consegue exportar alguns remédios e material médico. O fim da burocracia pode gerar ganhos brutais de eficiência. Até outro dia, o governo regulava a venda de "bens de capital" como enxadas; restaurantes e pequenos serviços, o grosso do empreendimento cubano, abastecem-se no mercado negro mediante malabarismos e corrupções.

    A população envelhece e não cresce, o que é um problema num país ainda pobre. Nascem muitos cubanos, mas muitos fogem da ilha; para piorar, migrantes são em geral gente energética, empreendedora e corajosa. Uma perda para a ilha.

    A transição pode terminar em tragédia. Certos empregos e produções existem apenas porque assim quer o governo. Aberta a economia, muitos deles desapareceriam de imediato. Haveria miséria e desigualdade extremada, "Mercedes e mendigos", como se dizia da Moscou pós-colapso soviético.

    Os empreendimentos viáveis, de resto, poderiam ser capturados pela elite governante ou por máfias, como ocorreu na mafiosa transição soviética, "aconselhada" por papas do mercadismo ocidental.

    A grande e eficaz revolução seria definir um novo regime de direitos de propriedade coletiva, de parceria pública com investidores estrangeiros e de mínimos sociais que não desse cabo de certo igualitarismo e jogasse no lixo partes inteiras de uma economia que existe apenas na cabeça de burocratas.

    vinicius torres freire

    Está na Folha desde 1991.
    Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024