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    Vinicius Torres Freire

    Dilma entre dois amores

    02/01/2015 02h00

    UM ARTICULISTA CAPAZ poderia ter criado um modo mais convincente de a presidente explicar por que os planos anunciados de política econômica de Dilma Rousseff 2 representam o desmanche de Dilma Rousseff 1. Só que não. No seu discurso de posse, a presidente quis vestir dois santos com uma roupa só. Um deles ficou pelado. Mais que um defeito de retórica, a ambivalência ranheta talvez venha a se tornar um problema real.

    Tanto bons como maus resultados na economia muita vez não dependem de vontades, erros e acertos de governos. Ainda não se descobriu como dar cabo da alternância de altas e baixas econômicas. Além do mais, ocorrem choques e outros reveses inesperados da vida, entre outras mumunhas da história.

    A presidente, no entanto, optou por dizer que fará um "ajuste", palavrão "neoliberal", naquilo que não está desajustado.

    "Sempre orientei minhas ações pela convicção sobre o valor da estabilidade econômica, da centralidade do controle da inflação e do imperativo da disciplina fiscal", discursou. Um cínico poderia dizer que, se o valor da estabilidade norteou as ações do governo, então houve um fracasso impremeditado, por imperícia, ingenuidade ou mero azar.

    Afinal, não é possível que se considere estável uma economia em que, por exemplo, os passivos crescem sem limite (a dívida pública e o deficit externo crescem), mas a economia permanece estagnada, incapaz de produzir o suficiente a bom preço (tem inflação).

    Seja como for, virá algum "ajuste". A presidente diz tal coisa como se tivesse de acabado de engolir um sapo-boi, como se tivesse se rendido a uma força de ocupação, sua nova equipe econômica, mas ainda gritando "no pasarán!".

    "Assim como provamos que é possível crescer e distribuir renda, vamos provar que se pode fazer ajustes na economia sem revogar direitos conquistados ou trair compromissos sociais assumidos", discursou a presidente.

    É possível. Melhor ainda, também teria sido possível fazer uma polí- tica socioeconômica progressista sem arruinar as contas públicas ou desordenar setores centrais da economia.

    Mas não parece ser assim que pensa a presidente nem gente que se diz de esquerda, para quem estabilidade e o plano econômico de Dilma 2 são coisa "de direita". Sim, ser de esquerda é endividar o governo à matroca e, assim, transferir anualmente 6% do PIB em juros da dívida para os mais ricos, entre outras tolices inadvertidamente cruéis.

    Isto posto, ainda resta a dúvida a respeito do grau de convicção da presidente ao aceitar o plano anunciado de "ajuste" (contenção de gastos, juros maiores, real desvalorizado). No caso da Petrobras, a presidente ainda não se rendeu à evidência de crise iminente, como parece ter sido o caso da política econômica.

    Dilma Rousseff dobrou sua aposta fantasista ao atribuir a desgraça da empresa a uma conspiração e ao reafirmar algumas das políticas que contribuíram para avariar as finanças da petroleira e para criar o ambiente propício à corrupção (reservas de mercado, exigência excessiva de conteúdo nacional, obrigações excessivas criadas pelo modelo de partilha).

    A presidente vai chegar ao limite do risco de ruína antes de ceder?

    vinicius torres freire

    Está na Folha desde 1991.
    Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.

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