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    Vinicius Torres Freire

    Cortar a perna para perder peso

    11/01/2015 02h00

    A inflação de 2014 ficou na meta, como costuma dizer a presidente, para o constrangimento da realidade e de economistas. Ficou em 6,4%, esbarrando no teto de tolerância de 6,5%, mesmo assim por meio de truques que desarranjaram vastos setores da economia, esvaziaram o Tesouro e resultaram em crescimento zero.

    A inflação de Dilma 1 foi um tico menor que a de Lula 1, 27% ante 28%. Mas em seu primeiro ano Lula teve de lidar com a carestia resultante da desvalorização horrorosa do real de 2002. A inflação de Lula 2 foi de 22%. Mas a economia, o PIB, cresceu 3,5% ao ano sob Lula 1 e 4,6% sob Lula 2. Nos anos Dilma 1, 1,6%, se tanto. Proeza.

    Uma inflação de uns 6,5% é "alta"? Não é possível responder a uma pergunta posta desse modo.

    O Brasil teve uma inflação inconveniente, de resto disfarçada, em um mundo que tem namorado a deflação. Esse foi um dos motivos da "perda da competitividade" dos produtos nacionais. Trocado em miúdos, também por isso o Brasil ficou caro demais, passou a comprar lençol em Miami, a importar demais de tudo, o que contribuiu para estes anos de ruína da indústria.

    Como se dizia nestas colunas em junho de 2012 e, claro, em tantos outros lugares: com a virada na biruta da política econômica naquele ano, "...o Brasil vai acabar se tornando uma economia inflacionada num mundo que embica para a deflação. Mas talvez o governo não esteja ligando muito para isso".

    A inflação no Brasil cresceu. No resto do mundo relevante, caiu. Segundo o Banco Mundial, a inflação do mundo (preços ao consumidor) passou de 4,6% em 2006 para 2,6% em 2013. Na OCDE, associação das três dúzias de economias mais relevantes ou ricas do mundo, a inflação passou de 2,3% em 2006 para 1,4% em 2013. Mesmo na América Latina de Venezuela e Argentina, a inflação caiu.

    Além do mais, a inflação está subestimada, na prática, devido a controles de preços que agora se descontrolam. Os subsídios ao preço de gasolina e eletricidade contribuíram para avariar as finanças da Petrobras, endividar de modo irresponsável a maior empresa do país e causar-lhe descrédito. Proezas.

    No setor elétrico, subsídios diretos e indiretos, entre outras inépcias, causaram rombos financeiros nas empresas, além de gastos adicionais do exaurido Tesouro Nacional. A inflação da energia e combustíveis nos anos Dilma 1 foi de meros 9,5% (ante 27% da inflação geral).

    Reduções de impostos contribuíram disfarçar a inflação, assim como para esvaziar o caixa do governo e causar deficit fiscais horríveis sem relançar o crescimento.

    O conjunto da política macroeconômica e medidas adicionais para segurar o câmbio mantiveram o real valorizado demais, outro talho artificial na inflação, o que de resto contribuiu também para arruinar a atratividade dos preços das manufaturas brasileiras. O governo controlou a inflação tanto quanto um sujeito que, a fim de perder peso, cortou uma perna em vez de fazer dieta.

    Além de inflação e baixo crescimento, tal política colaborou para o saldo minguante do comércio exterior e um deficit crescente nas contas externas. A inflação vai beirar os 7% neste início de 2015, o crescimento será zero e o deficit externo ronda os periclitantes 4% do PIB. Proezas.

    vinicius torres freire

    Está na Folha desde 1991.
    Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.

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