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    Vinicius Torres Freire

    Grécia e esquerda no sufoco

    18/02/2015 02h00

    A Grécia está à beira de algum colapso. Talvez seja levada a abandonar o euro, quando então haverá caos, palavra grega que de início significava o vazio ou o abismo da confusão. Caso contrário, talvez sobrevenha uma grande desmoralização do partido da nova esquerda no poder, o Syriza. Uma solução intermediária se tornou mais improvável.

    O prazo para que se prorroguem as negociações se esgota nos próximos dias. Talvez hoje. O Syriza deve capitular ou pelo menos pedir um cessar-fogo, por uns quatro meses, a fim de ver se consegue alguma concessão. Se tanto. Uma derrota.

    Como se sabe, o Syriza quer denunciar o acordo de 2012, que em troca de alguma redução de dívida e mais empréstimos submeteu a Grécia a ocupação econômica (da União Europeia, do Banco Central Europeu, do FMI). Pelo acordo, o governo deveria promover um brutal corte de despesas e começar reformas liberalizantes, privatizações e outros consertos nas de fato demenciais, decrépitas e corruptas instituições econômicas gregas.

    O Syriza quer estender o "acordo", que vence no dia 28, o bastante para renegociar seus termos: reduzir dívida, mais gasto público, mexer no programa privatizante.

    A União Europeia (UE) aceita discutir esmolas desde que os gregos ratifiquem o acordo de 2012, que não deem calotes e que não deem para trás em privatizações e reformas.

    O "socorro" à Grécia salvou bancos europeus, seus credores e outros financistas, com custos mínimos. Governos da eurozona assumiram os papagaios, sendo hoje credores de 80% da dívida grega (mais de 170% do PIB). Socializaram a dívida.

    O "socorro" à Grécia esfolou o couro do povo. A renda (PIB) per capita caiu 25% desde 2008. O consumo (privado, público e investimentos) caiu de 114% do PIB em 2008 para 79% do que era naquele ano (consumia antes mais do que o PIB por meio de um enorme, irresponsável e insustentável déficit externo). O custo unitário do trabalho caiu 10% desde 2008 (na eurozona, subiu 3%).

    Caso tivesse moeda, esse arrocho histórico poderia ter sido menos sofrido, pois a economia grega teria ficado mais competitiva por meio de uma desvalorização da dracma. Sem tal opção, os salários foram baixados sob o pau da depressão, do desemprego de 25%.

    O governo grego do Syriza diz que pode sobreviver sem os empréstimos europeus "por meses"; a UE fala em um mês. Pior mesmo é o caso dos bancos gregos. Sofrem uma corrida em câmera lenta, perdendo depósitos desde dezembro, entre outros problemas. Sem dinheiro europeu, terão de ser financiados pelo falido governo grego. Sem acesso a mercados de crédito e sem dinheiro, o governo teria, grosso modo, de fazer o BC deles imprimir dinheiro.

    A Grécia assim sairia do euro. Ao fabricar dracmas, ou que nome a moeda nacional venha a ter, fabricaria também uma inflação enorme. Teria de resto de haver algum controle de capitais (não sai euro do país), conversão forçada de haveres em euros para dracmas e até confisco. Esse seria apenas o início do caos.

    Melhor teria sido sair do euro em 2010. A desgraça seria parecida com a dos "anos de ajuste" e, a esta altura, poderia até estar passando. Passar por outros cinco anos de depressão não vai prestar.

    vinicius torres freire

    Está na Folha desde 1991.
    Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.

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