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    Vinicius Torres Freire

    Juros e dólar em dias de colapso

    05/03/2015 02h00

    O Banco Central mandou a taxa básica de juros para a maior das alturas desde que Dilma Rousseff tomou posse, para 12,75% ao ano. A Selic voltou ao nível mais alto desde janeiro de 2009, quando, no entanto, descia a ladeira. Agora sobe. Até quando? Até pouco tempo, Selic a 13% não estava no mapa dos rapazes do mercado; deve ir a pelo menos 13% no final de maio, data da próxima decisão do BC. Mas é possível dar asas à imaginação e aos juros, dado que o dólar ronda os R$ 3 e dadas as primeiras fumaças de inflação a 8% em 2015.

    É razoável argumentar que o dólar bateu na casa dos R$ 3 devido a um novo surto de toleima política do governo ou a um excesso temporário de crispação, devido às novidades do Petrolão. É razoável dizer também que a crise econômica e a política podem se realimentar em espiral. Mas o cálculo das probabilidades é uma pilhéria ainda maior devido a incertezas e rolos aos quais não se está prestando muita atenção.

    Dada a nossa jequice crônica, nossa tendência a prestar atenção apenas ao nosso umbigo sujo, muita vez se esquece de que o dólar está subindo pelo mundo, em especial em relação às moedas aparentadas com o real. Isto é, as chamadas moedas "commodities", objetos preferenciais de uma ponta da especulação com juros e câmbio pelos donos do dinheiro grosso.

    Desde o ano passado, houve dois surtos de altas do dólar em relação a essas moedas, mais ou menos no início de setembro e mais ou menos no início de novembro. O real se desvalorizou mais, como de costume (até por características do nosso mercado financeiro, grande e organizado), e, além do mais, devido às incertezas e resultados da eleição de 2014. Mas acompanha a manada.

    Pelo menos metade da desvalorização do real desde setembro pode ser atribuída mais ou menos a fatores que também pressionam moedas aparentadas. Desde novembro, o real não anda tão longe assim das andanças dessas moedas-primas, ainda mais quando se desconta a histeria dos últimos dias.

    Por outro lado, como se fosse preciso lembrar, note-se que a economia ora está colapso. Sabe-se lá até quando dura o presente surto de degradação, mas a coisa está muito feia. Por quanto tempo pode persistir a inflação numa economia tão inerte e fria, meio morta? De quanto pode ser o repasse da alta do dólar para os preços?

    O investimento deve estar em colapso. Não há dados precisos desde o terceiro trimestre de 2014, mas a produção de bens de capital caiu 11% nos 12 meses contados até janeiro, indicou ontem o IBGE; a importação de bens de capital afunda. As taxas de juros no mercado dito livre são as mais altas desde que Dilma tomou posse e ainda vão subir mais. O estoque de crédito (quantidade de dinheiro emprestada) cresce cada vez mais devagar, tendendo a zero; descontada a participação dos bancos públicos no crédito, que tende a minguar também, o total de crédito encolhe faz meses. Vendas de imóveis novos e de carros afundam.

    Assim como uma recessão feia como a necessidade pode livrar o país de um racionamento de energia, o colapso agudo da economia pode conter a alta de juros. A não ser que nossa brilhante elite política decida mandar tudo à breca, sem mais.

    vinicius torres freire

    Está na Folha desde 1991.
    Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.

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