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    Vinicius Torres Freire

    Depois da crise política

    15/03/2015 02h00

    Sabe-se lá o que virá depois de hoje, das manifestações, se uma bola de neve ou uma bola de gude nas ruas. Sabe-se lá o que virá depois da solução da crise política aguda, que virá, ainda que reste um desarranjo crônico. Sabe-se lá quando será o "depois": seis semanas ou seis meses?

    Sabe-se que, nesse "depois", a tarefa de lidar com a desordem econômica será essencialmente a mesma, por mais ou menos que a situação esteja deteriorada pela sangria política; os consertos básicos vão custar caro e não vão dar resultados brilhantes. Depois de uma quase década sem mudanças institucionais, "reformas" ("liberais" ou não), não é provável que o país volte a crescer sem mais, afora no caso de sortes ora invisíveis no horizonte (algo como um "efeito China" da década passada).

    Lidar com a desordem econômica elementar depende, claro, de fazer com que a dívida pública comece a decrescer (em 2017?): isso é o ajuste fiscal. Mas a receita básica para uma retomada de crescimento mínimo inclui também medidas que favoreçam desvalorização grande do real sem criar mais inflação. Aí, a coisa pega.

    Isto é, o "dólar tem de ficar mais caro". Mas dólar mais caro barateia nossos produtos no exterior, cria demanda para eles, na medida em que tal barateamento não seja comido pela inflação (para encurtar uma história mais complicada). Inflação, no nosso presente caso, vem de salários em alta excessiva. A coisa toda no curto prazo depende da contenção de salários, o que sobreviria com aumento do desemprego, maior ou menor a depender da qualidade do restante da política econômica.

    Além de um impulso dado pelo setor externo (real fraco, redução de consumo), que nem grande será, de resto, há poucas alternativas de religar a economia (isto é, lá em 2016).

    Não haverá tão cedo crescimento do crédito, que na banca privada encolhe faz meses e vai minguar na banca pública. Não haverá, óbvio, impulso por meio de investimento público. Não haverá incorporação em massa de mão de obra desempregada, como na década passada. Não haverá um bônus como o aumento do preço das nossas exportações.

    Um arrocho fiscal muito duro pode encurtar a temporada de juros altos, uma ajuda. Um programa grande de concessões de serviços públicos para a iniciativa privada, como planeja o governo, poderia ser uma saída, embora a desconfiança na economia, nas regras dos negócios, a falta de crédito, a inépcia do governo e a desordem das empresas do setor suscitem certa descrença nessa alternativa, no curto prazo.

    Um plano de mudanças mais amplas, que ao menos limpasse a areia das engrenagens econômicas, poderia restaurar a confiança em tempos melhores para investir, apressando talvez a recuperação. Para começar, porém, Dilma Rousseff teria de renunciar a si mesma para que se adotasse tal programa.

    Enumerar as dificuldades não significa prever desastre –o país está melhor, apesar dos quatro anos recentes de estragos. Trata-se só de dizer que a transição será complicada, arrastada, social, política e culturalmente difícil de vender, em especial devido ao clima ideológico da década passada. Enfim: trata-se aqui apenas do conserto básico, não de conflito socioeconômico profundo.

    vinicius torres freire

    Está na Folha desde 1991.
    Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.

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