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    Vinicius Torres Freire

    Aperte o cinto, mas não viaje

    18/03/2015 02h00

    Menos consumo vai ser o mote ou o resultado médio da economia brasileira no biênio 2015-2016, pelo menos. Devemos gastar menos também no exterior. "Devemos" é tanto previsão como necessidade.

    Consumimos menos lá fora quando o preço dos importados em geral fica mais alto: quando o real se desvaloriza. De quanto teria de ser a desvalorização do real, a "alta do dólar", para a economia do país se readequar sem sustos ou riscos de solavancos graves ao novo ambiente mundial e às nossas novas precariedades? Isto é, qual a taxa de câmbio compatível com um deficit externo "sustentável"? Os economistas do departamento de pesquisa do Itaú fizeram uma estimativa (na verdade, eles e parte da torcida do Flamengo, mas passemos).

    No cenário básico, médio, "caminho suave", o real deslizaria para R$ 3,10 ao fim deste ano, para R$ 3,40 em 2016 e R$ 3,60 em 2017, não sem antes alguns solavancos na taxa de câmbio ("overshootings", exageros). Assim, o deficit externo baixaria dos atuais 4,2% do PIB para algo na faixa entre 2,5% e 3% do PIB (sendo de 2,5% o nível "sustentável" estimado pelos economistas).

    Trocando em miúdos grossos, trata-se de uma redução de 1,5 ponto percentual da demanda doméstica -em resumo pitoresco, menos viagens no exterior, menos gasto de cartão de crédito no exterior, menos produtos importados e, mais importante e a princípio, menos investimentos, pois máquinas e equipamentos estarão mais caros e, por ora, sem uso.

    Mas, ainda assim, nessa estimativa o caminho é suave; posto assim não parece muito dramático, em especial para a inflação.

    Vai haver menos recursos disponíveis para o Brasil financiar seu excesso de consumo e investimento, seu deficit externo (grosso modo, a diferença entre o que consumimos e o que produzimos, que deve ser importada e, de algum modo, financiada). Por quê?

    Na opinião dos economistas do Itaú, primeiro, a recuperação da economia americana e a decorrente alta de juros por lá vai reduzir a oferta de capital no mundo, ampla e barata faz quase dez anos.

    Segundo, há menos confiança na economia brasileira, que prejudica a atração de investimentos "na produção" e de aplicações financeiras.

    Terceiro, os sinais do governo de que seriam contidas as intervenções no câmbio, com o que o dólar subiria de preço mais rapidamente (o que, a princípio, afasta investidores externos).

    O ano seria particularmente difícil também porque, por exemplo, haverá mais dívida externa a vencer neste ano. Porque as captações (empréstimos) de empresas no exterior serão menores: as empreiteiras flagradas na Operação Lava Jato estão sem crédito, esse rolo afetou o crédito de outras empresas e o custo dos empréstimos.

    Se a transição para esse deficit externo menorzinho dependesse apenas de nós, a tarefa não seria lá fácil, mas seria administrável. O problema é que os donos do dinheiro grosso do mundo não se entendem sobre o que será de juros e preços de moedas de países centrais (dólar, euro). Menos ainda, se haverá tumulto na transição. Tudo depende de como e quando o BC dos EUA, Fed, vai começar a elevar seus juros. Outra temporada dessa série, novela, começa hoje, dia de decisão do Fed.

    vinicius torres freire

    Está na Folha desde 1991.
    Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.

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