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    Vinicius Torres Freire

    Pedaladas: a defesa do bolsa família

    12/06/2015 02h00

    As contas de Dilma 1 serão julgadas na semana que vem pelo Tribunal de Contas da União. O TCU pode reprová-las com base na tese de que o governo violou a Lei de Responsabilidade Fiscal, o que abriria caminho para um processo de impeachment. Em abril, o TCU aprovou relatório em que constata essas violações, as "pedaladas", e requisitou explicações de 17 autoridades do governo Dilma.

    Nas "pedaladas" o governo atrasaria pagamentos devidos, deixando temporariamente a conta para os bancos estatais, camuflando o aumento de deficit e dívida.

    Um caso sob julgamento é o dos pagamentos do Bolsa Família, feitos pelo ministério do Desenvolvimento Social por meio da Caixa. A ministra Tereza Campello foi uma autoridade acusada. Hoje, apresenta sua defesa, baseada em parecer da Advocacia-Geral da União.

    Em certas ocasiões, a CEF pagou os benefícios do Bolsa Família com recursos próprios, sendo ressarcida pelo governo. Para o TCU, isso violaria a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF, de 2000): seria operação de crédito sem autorização legal, empréstimo tomado em banco federal e antecipação de receita em ano final de mandato.

    A CEF administra o cadastro das famílias e os pagamentos do Bolsa Família. Mensalmente, recebe o dinheiro do MDS, que pode depositá-lo em parcelas. Segundo a ministra, o governo deposita 70% da estimativa dos pagamentos devidos, e paga o restante na medida da necessidade (os saques são irregulares). Se falta dinheiro, a CEF cobre.

    No caso de saldo positivo na conta da CEF, o MDS recebe juros; se a conta fica no vermelho, o MDS paga juros à CEF, como prevê o contrato entre banco e governo. Essa cláusula existe em contratos da CEF com a Caixa desde 2001, depois da LRF, portanto. Em 2009, passaram pelo crivo do TCU e, em 2011, pela CGU, sem objeções, diz a defesa.

    O parecer da AGU apresenta um arrazoado longo e sensato para mostrar que não se trata de operação de crédito. Em suma, o fato de que a CEF eventualmente antecipe um pagamento menor seria um arranjo operacional para facilitar a prestação do serviço.

    Em 2014, a conta do Bolsa Família na CEF ficou no azul em 185 dias e no vermelho em 56. O atraso era menor em 2013 (11 dias no vermelho) e 2012 (5 dias). O saldo dos juros pagos sempre foi positivo para o governo, em torno de R$ 25 milhões por ano. Qual o tamanho máximo do buraco? O ministério mostrou apenas um dado, de abril para maio de 2014, quando o saldo ficou negativo em R$ 200 milhões, coberto quase de imediato. Parece pouco.

    O próprio TCU disse que "não seria razoável classificar como operações de crédito meros atrasos de curtíssimo prazo no repasse de recursos do Tesouro, previstos e com condições estipuladas contratualmente". A tese faz sentido até o ponto em que os fatos a tornem implausível: a insuficiência excepcional e comedida de recursos em pagamentos de volume e periodicidade incertos parece defensável e até inevitável.

    Mas o que dizer se a conta chegar ao bilhão de reais? Quando o buraco deixa de ser ocasional para ser intencional e duradouro, a fim de camuflar o deficit público (o que não foi o caso do Bolsa Família)? Qual o limite do razoável? Nem leis nem contratos parecem dar conta da dúvida.

    vinicius torres freire

    Está na Folha desde 1991.
    Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.

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