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    Vinicius Torres Freire

    O grande massacre de pobres

    23/08/2015 02h00

    Sob Dilma Rousseff, o Brasil terá o primeiro biênio de recessão desde 1930-31, caso se confirmem as previsões para 2015-16. É verdade. Não quer dizer nada.

    A maldição do biênio é uma das tantas a que a mentalidade "redes sociais" de debate político recorre a fim de avacalhar ainda mais a desgraça econômica dos anos Dilma. Causa alguma sensação desde a semana passada, quando as estimativas "de mercado" compiladas pelo Banco Central passaram a registrar recessão também em 2016.

    Além de em si mesmo ignorar história e salsichas estatísticas do PIB, a falação do biênio é uma das tantas birutices estatísticas que contribuem para desviar a atenção do debate de um rolo econômico, social e político que não se via desde os tempos da hiperinflação, anos 1980-90.

    Seja como for, os anos de grande massacre econômico, de pobres em particular, ocorreram em torno de 1983, 1989 e 1992. Mas convém lembrar ainda que: 1) PIB é medida imprecisa até para avaliar a variação do bem-estar material; 2) o PIB brasileiro passou a ser calculado ordenadamente a partir de 1947. Há estimativas retrógradas até 1901. Já não é fácil comparar, sem mais, crescimentos do PIB de 1980 a 1995. Imagine-se na República Velha.

    Mais importante, por que falar de PIB e não de PIB per capita (o PIB dividido pela população)? Estimativas anuais antigas de população são também imprecisas, certo. Mas é fácil perceber a diferença importante. Se o PIB cresce 1% e a população aumenta 3%, ficamos mais pobres, na média (o PIB, a "renda", per capita cai). Se a população também cresce 1%, ficamos na mesma.

    Por que biênio? Em um biênio é mais fácil criar ilusões ou demagogias, planos econômicos estelionatários, como em 1986, ou recuperações fajutas, como em 1982. Enfim, o PIB per capita de 1994 estava ainda mais ou menos na mesma que em 1980.

    O biênio 1981-1982 não foi de recessão, pois. Mas o triênio 1981-1983 viu a maior queda do PIB per capita da história registrada ou estimada (desde 1901): 12%. A seguir, vem o triênio Collor, de 1990-92, baixa de 8,4%.

    Pelas previsões de PIB e população, o PIB per capita no triênio dilmiano de 2014-2016 baixaria 4,4%. Menor, embora seja um grande (mal) feito quando se leva em conta que a economia até que não estava tão desarrumada lá por 2010, dados os nossos padrões primitivos.

    Mesmo per capita, por cabeça, o PIB diz pouco. Além da renda baixa, 1989 foi um ano campeão de desigualdade, pelo menos desde 1977, quando os dados são mais precisos. A metade mais pobre da população ficava então com 10,5% da renda nacional (agora, fica com uns 18%); os 20% mais pobres, com 2% (agora, com 4%). Se somos uma indecência desigual ainda em 2015, imagine-se o horror de 1989.

    Não por acaso, a crise e o desgaste de todas as lideranças políticas estabelecidas levaram o eleitorado a escolher "outsiders" para o segundo turno de 1989, Collor e Lula, varrendo para sempre as figuras
    restantes da República de 1946, da ditadura e os líderes maiores da redemocratização. A virada não se deveu apenas à "economia, seu burro!" (nunca é assim), mas à conjunção de horror socioeconômico e falência da configuração política velha.

    vinicius torres freire

    Está na Folha desde 1991.
    Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.

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