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    Vinicius Torres Freire

    Desgraça pouca é bobagem

    25/08/2015 02h00

    O excesso de desgraças domésticas nos deixou ainda mais esquecidos do que de costume sobre o mundo perigoso lá fora. Também como de costume, o tumulto exterior deve nos causar problemas. O pânico financeiro dos últimos dias foi o leite que entornou de uma panela que ferve, a China.

    No fim das contas, isso tende a afetar ainda mais países dependentes de commodities, com dificuldades de responder com medidas de política macroeconômica (juros, gasto de governo, por exemplo) e que não conseguem fazer reformas institucionais.

    Essa carapuça cabe perfeitamente no Brasil. Mas há efeitos até nos Estados Unidos.

    A Bolsa chinesa derreteu outra vez ontem e de modo operístico porque o governo da China não adotou (mais) medidas que os donos do dinheiro grosso esperavam a fim de conter a baixa do preço das ações. A bolha da Bolsa, no entanto, esvazia desde junho.

    Mas o buraco é mais embaixo.

    A China cresce cada vez mais devagar, além da conta prevista, aliás. Desacelera porque lida com os transtornos de algumas reformas pró-mercado, entre outras (tentou até dar uma liberada no controle do câmbio). O investimento em construção civil cai. Recentemente, a baixa na exportação, o colapso da Bolsa e das vendas de casas e carros elevaram a preocupação com o crescimento.

    Ainda se debate por que a China desvalorizou sua moeda, há quase duas semanas. Foi uma desvalorização pequena para quem quer baratear seu produto e ganhar mercado.

    Ainda assim, há expectativas de alguma desvalorização adicional. Além de moeda relativamente mais forte, o comércio mundial cresce muito pouco desde a crise de 2008. Exportar mais poderia ser um auxílio.

    O país enfrenta alta de custos domésticos (salários que saem do nível miserável), agravada pela alta relativa da moeda, relevante desde a crise de 2008, em especial quando comparada ao euro e ao iene.

    Uma desvalorização chinesa balança o coreto mundial, já avariado. Derruba mais o preço das commodities, o que afeta moedas e exportações de países que vendem muito para a China (como o Brasil).

    Uma desvalorização chinesa não sai de graça, de resto, no curto prazo, porque pode provocar mais fugas de capital da China (ninguém quer ficar com um dinheiro que perde valor) e "secar" o dinheiro no país, enxugando crédito e provocando mais pânicos financeiros, como esse da Bolsa, mas não apenas.

    Esse dominó de desvalorizações de moedas continuaria a derrubar preços importantes no comércio mundial, elevando riscos ou temores de inflação baixa demais além da conta, nos Estados Unidos e Europa, o que por sua vez afetaria a rentabilidade das empresas de lá.

    Em suma, como dizem economistas, a China acabaria por exportar sua deflação e (relativa) fraqueza econômica, contaminando tanto "emergentes" (de forma virulenta) quanto EUA e Europa, abortando outro princípio de recuperação econômica mundial.

    Ou não? Dada a "malaise" chinesa e emergente, os EUA podem deixar para as calendas sua alta de juros tão esperada; os chineses em breve podem lançar seu pacote de estímulo. O mundo do dinheiro parece estar entre a opção de manter bolhas infladas ou enfrentar pânicos e riscos de baixa global do crescimento.

    vinicius torres freire

    Está na Folha desde 1991.
    Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.

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