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    Vinicius Torres Freire

    Ponte em ruínas para o futuro

    04/12/2015 02h00

    Foi de manifestos e silêncios manifestos o dia seguinte do "impeachment". Manifestaram-se os povos dos mercados, alguns governadores e senadores. Houve os silêncios notórios de Lula, na maior parte do dia, da cúpula do PMDB e de várias forças mortas ou vivas da nação, como gente da elite econômica. Quase todo o mundo deixa como está para ver como é que fica o barco no qual se deve pular.

    O pessoal do "mercado" fez um manifesto pela derrubada de Dilma Rousseff ao comprar papéis na xepa —os preços subiram, de ações ao real. Fazia sentido, ao menos ontem.

    Se aumenta a probabilidade de queda da presidente, cresce a possibilidade de haver rumo para o país e, portanto, de que preços e clima muito deprimidos da economia se recuperem um tico. Não se trata de juízo de valor, mas da constatação de que se pode ganhar algum dinheiro com a volatilidade política.

    O PMDB, o infiel da balança, não se manifestou, se fingiu de morto. Foi "consultar as bases", frase um tanto sarcástica que define o momento em que políticos dão um tempo para sentir o clima do país (eleitor, "empresariado", financiadores de campanha, seus pares) e repensar os arranjos que vão refazer a política e redefinir os termos da sobrevivência deles.

    Os governadores do Nordeste, a maioria de "esquerda", fizeram um manifesto a favor da presidente, acompanhados pelo governador do Rio, Luiz Pezão (PMDB). Senadores de oposição, mas não apenas, articulavam na tarde de ontem um manifesto para induzir a Câmara a abrir o processo de impeachment. Mas confusão silenciosa dava o tom sobre "o que fazer".

    Embora seja razoável acreditar que a derrubada de Dilma Rousseff dissiparia a névoa que por si só faz desaparecer um bom pedaço do PIB, a perspectiva econômica imediata é horrorosa. O tempo rapidamente voltaria a ficar nublado caso não houvesse acordo político que desse esteio a um programa que, no momento, não teria como não ser "liberal" (pelas premências e pelas forças que restariam no topo). Nem tal acordo nem a implantação de tal programa seriam triviais. Não será fácil a vida do novo "bloco de poder", embora um plano qualquer de reforma relevante, repita-se, tivesse o dom de atenuar ou abreviar a recessão.

    Seria curioso ver como o Congresso reagiria à "Ponte para o Futuro", o programa ultraliberal que o PMDB divulgou faz uns dois meses a fim de lançar como líder do revertério da era petista. Haveria protestos da esquerda apeada do poder; o parlamentar comum de qualquer partido estaria em apuros com seu eleitor comum; parte do empresariado chiaria.

    Note-se que, por estes dias, o PSDB fazia propaganda contra tais liberalismos. Os tucanos espantosamente diziam que são contra "tirar direitos" (reduzir benefícios sociais) e aumentar impostos (ao contrário). Trata-se de uma ponte para Dilma 2014, receita de suicídio para o novo "governo de união nacional", que de união não será.

    Seja quem for o presidente em fevereiro, Dilma Rousseff, Michel Temer ou Dom Sebastião, este ainda será um país dividido, com desemprego e juros em alta, governos na penúria, país que não consegue lidar nem com assuntos rudimentares como aprovar um Orçamento federal que não seja arrombado como o que devemos ter para 2016.

    vinicius torres freire

    Está na Folha desde 1991.
    Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.

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