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    Vinicius Torres Freire

    Desgraça pouca é bobagem?

    10/12/2015 02h00

    Quando desgraça pouca passa a ser bobagem? Qual o efeito extra de uma desgraça adicional tal como, por exemplo, o Banco Central aumentar os juros no dia 20 de janeiro?

    A presidente da República pode ser deposta; Eduardo Cunha continua solto. Tratar dos juros do Banco Central parece, portanto, preciosismo diversionista ou alheamento da realidade. Mas a vida continua, continua a ir para o brejo, alheia ao universo marginal de Brasília.

    Mais juros, mais descrédito do país, mais deficit, tudo isso resulta em dívida pública cada vez maior. Quanto maior a dívida, maior o sofrimento social necessário para reduzi-la, maior o conflito político pelas sobras dos fundos públicos, mais comprida a crise. Não se trata pois de ninharias.

    A inflação dita "oficial", medida pelo IPCA, foi a 10,5% em um ano, soube-se ontem. Na estimativa mediana dos economistas do setor privado, deve chegar perto de 7% em 2016 e, chuta-se de modo informado, ainda seria de 5,1% em 2017. E daí?

    Daí que a turma do Banco Central quer que se acredite em inflação menor que o teto da meta no ano que vem (menos que 6,5%) e que o IPCA baixará a 4,5% até o final de 2017. Como as expectativas dos povos dos mercados tendem apenas a piorar até o final de janeiro, ou bem o BC eleva os juros ou então terá renunciado a qualquer pretensão de que seja levado em consideração, o que também terá consequências.

    Note-se que, aqui, não vem muito ao caso o debate da necessidade de taxas de juros ainda mais altas. O problema é que o BC se ensanduichou entre a cruz e a caldeirinha. Enfim, como se pode notar, nada de bom vai resultar dessa situação, seja qual for a decisão.

    Há outros moinhos a estraçalhar as esperanças da economia.

    Por exemplo, outra dessas empresas que dão nota ao crédito de governos e empresas ameaçou ontem rebaixar o Brasil, talvez entre o Carnaval e a Semana Santa, o que vai causar algum estrago extra na quantidade e no preço de crédito para empresas e governo do Brasil.

    Tudo isso, meio ponto de juros aqui, um descrédito adicional ali, vai fazer diferença? De imediato, vai parecer que não. Caso o espírito da santidade e da razão baixe de súbito sobre a política brasileira, esses danos extras à economia podem ser compensados.

    Afora essa hipótese, as degradações extras, que não parecem lá grande coisa, deixarão mais sequelas, até porque o déficit do governo continua também a aumentar. Para trocar em miúdos, déficits, degradação de crédito e juros mais altos vão fazer com que a dívida pública cresça com ainda mais velocidade.

    Quanto maior a dívida, maior o esforço, maior a contenção de gastos públicos e/ou privados, necessário para reduzi-la, o que não apenas implica mais sacrifício social, mas também mais risco de confronto político com "p" maiúsculo.

    Além da barafunda dos desclassificados em Brasília, haverá disputa social feia pelos fundos recolhidos pelo Estado ou mais inflação, que é um modo de derrotar um dos lados desse conflito, os mais pobres. A "Ponte para o Futuro", o suposto programa liberal do pós-Dilma, e a reação que se forma entre alguns movimentos sociais são os primeiros sintomas dessa doença ruim do Brasil que vem por aí.

    vinicius torres freire

    Está na Folha desde 1991.
    Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.

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