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    Vinicius Torres Freire

    O ralo do fundo do poço

    25/02/2016 02h00

    No fundo do poço pode ter um alçapão, diz uma dessas metáforas sem graça a que o povo de finanças e economia recorre a fim de dizer que a coisa pode ser ainda mais feia, seria ingenuidade não notar.

    O Brasil chegaria ao fundo do poço em breve, mas lá haveria um alçapão, uma passagem para as profundas do inferno de outra crise. Governo e Congresso atolados em suas lamas, incapazes de formular e tomar decisões, podem abrir as portas do buraco no buraco.

    Essa possibilidade tornou-se tema vivo de conversas, dado o tumulto no Congresso, o novo ciclo de escândalos e o desnorteio do governo da economia.

    O que haveria abaixo do fundo do poço? Aonde nos leva o alçapão? Há o temor de que se difunda a ideia de que a dívida pública crescerá sem controle. Quer dizer, que continuará a crescer sem controle.

    Faz uns dois meses, apareceu a ideia de que a economia deixaria de encolher a partir de meados do ano. Não é grande coisa. Quer dizer apenas que o tamanho da produção não decresceria mais, que o PIB ficaria estagnado. Ainda assim, o desemprego continuaria subindo até 2017.

    É um diagnóstico comum em grandes bancos brasileiros. Pelo menos em público. Nas internas, acredita-se que diminuem as possibilidades de que sejam tomadas providências que limitem o endividamento.

    Em algum momento, dívida pública descontrolada dá em:

    1) Calote da dívida, o que seria uma catástrofe quase terminal para o país. Os credores brasileiros, residentes, aliás, detêm uns 75% da dívida. No caso de o governo deixar de pagar parte da dívida, adiar pagamentos etc., podem quebrar bancos, seguradoras, fundos de pensão, o cidadão que poupou em títulos do governo, basicamente um mundão de gente, que nem sabe disso (fundos de investimento, previdência privada, seguradoras, mantém a maior parte do dinheiro em títulos do governo);

    2) Inflação descontrolada. Em vez de quebrar o país inteiro, arranca-se o couro dos mais pobres.

    A dívida bruta do setor público passou de uns 52% do PIB em 2013 para 66% do PIB no ano passado. Dado que o governo federal terá outro deficit, que a taxa de juros média da dívida não será muito diferente neste 2016 e que a recessão será tão grande quanto a do ano passado, a dívida pública deve chegar a uns 73% do PIB neste ano.

    Quanto maior a dívida, maior o superávit primário necessário para conter aumentos adicionais dos papagaios do setor público. Isto é, o governo tem de gastar menos e menos, cortar cada vez mais. Maior teria de ser o crescimento econômico para manter o tamanho da dívida sob controle (que é medida como proporção do PIB) –mas vamos crescer pouco, se tanto, por muito tempo.

    Qual o risco de que se difunda a percepção de que não haverá controle da dívida? Isto é, de que se difunda o medo que sobrevenha mais inflação e, mais remoto, mesmo algum tipo de calote indireto ou direto? Além de paralisia econômica (quem investirá em atividades produtivas?), o dinheiro tende a fugir, a procurar proteção: ativos reais, dólar, o que seja.

    Para começar, isso apareceria para a maior parte das pessoas como uma desvalorização extra do real.

    Não dá para dizer que é destino, que vá acontecer. Mas é essa a conversa por aí.

    vinicius torres freire

    Está na Folha desde 1991.
    Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.

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