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    Vinicius Torres Freire

    Política azeda, pimenta social

    26/05/2016 02h00

    Depois de uns tempos de apenas aparente calmaria, a Lava Jato voltou a ameaçar a casta política e, assim, a abalar também o cálculo político. A novidade da estação do tumulto no poder é a grande probabilidade de o conflito social entrar de vez nesse Congresso já transtornado.

    O programa econômico de Michel Temer deve afetar interesses de uma coalizão social transversal, por assim dizer. O governo deve enfrentar não apenas movimentos sociais e sindicalistas "petistas" ou de esquerda. A contenção dos gastos com saúde e educação deve reunir oposição mais variada.

    Associações diversas de profissionais de saúde e educação, movimentos sociais do setor, igrejas e outros movimentos religiosos e talvez mesmo empresários devem pressionar os parlamentares.

    Recorde-se que a diretriz econômica central de Temer prevê o congelamento dos gastos federais, o que exigirá no mínimo também uma contenção forte de gastos em saúde, educação e Previdência, se não sobrar também para os servidores federais.

    Os interessados em evitar as mudanças no gasto social fazem parte de um espectro muito maior do que aquele de partidos e movimentos de esquerda. Além do mais, a reforma da Previdência junta sindicalistas de toda espécie, governistas temeristas ou dilmianos, além dos independentes. Essa provável oposição a Temer ou a seus planos de reformas é a "coalizão social transversal".

    Como tal oposição vai se articular com os partidos da enorme, mas confusa e desorganizada, coalizão governista? Ou, no mínimo, como deputados e senadores vão reagir às pressões que virão?

    Não se está lidando com partidos de substância, comandados por lideranças de convicções fortes sobre os problemas econômicos, para descrever a coisa com seriedade cômica. Além do mais, esse ambiente em geral degradado deve ser outra vez e ainda mais perturbado pela nova rodada de abalos da Lava Jato.

    De imediato, para lembrar de zumbis antigos, haverá uma decisão sobre o destino de Eduardo Cunha na Comissão de Ética, em junho. Cunha, PMDB, presidente afastado da Câmara, é ainda capaz de nomear quadros para o governo Temer e de influenciar o blocão de uns 200 deputados federais "baixo clero", base da estabilidade instável de Temer.

    Haverá o voto do impeachment. Há Romero Jucá, ministro central e afastado de Temer, senador do PMDB, e Renan Calheiros, PMDB, presidente do Senado, levando mais tiros. Enfim, andamos esquecidos, as reformas e planos econômicos do governo devem ser discutidos ou votados praticamente em meio a uma campanha municipal.

    Costuma se dizer que, normalmente, políticas municipal e federal não se misturam sem mais ou imediatamente. Mas vivemos tempos anormais.

    É bem provável que a eleição seja disputada em clima ideológico ainda quente, nesta enorme crise econômica, com desemprego crescente, com governos estaduais (e alguns municipais) em colapso, em meio a debates sobre cortes de gastos sociais e sobre a política enlameada além da conta. Problemas federais vão respingar no debate municipal e vice-versa, não se sabe bem em qual medida, é verdade.

    Nesse ambiente, fica pelo menos sub judice o grau de adesão dos políticos a um plano socioeconômico muito controverso, para dizer o menos.

    vinicius torres freire

    Está na Folha desde 1991.
    Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.

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