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    Vinicius Torres Freire

    Dólar, esperança e especulação

    01/07/2016 02h00

    O preço do dólar em reais queima mais do que a gordura acumulada nos momentos mais intensos da crise política. Parece haver mesmo um exagero na outra direção.

    É típico das instabilidades do país e, em segundo lugar, das possibilidades oferecidas pelo parque de diversões especulativas do grande mercado brasileiro. Ainda assim, está animado demais.

    Registre-se antes de mais nada que o dólar chegou a custar até R$ 4,16 no terço final de janeiro deste ano. O preço então caiu, em parte porque passou o feio pânico chinês e global de fevereiro, no que o barquinho do Brasil seguiu ondas e marolas mundiais.

    Em parte caiu também porque pareciam aumentar as chances de deposição de Dilma Rousseff.

    Em junho, porém, o caso brasileiro pareceu excepcional, consideradas as moedas de países assemelhados, com quem costumamos andar de par nessas reviravoltas da finança do mundo.

    O que houve? Isto é, se a pergunta tem alguma resposta, em se tratando de taxa de câmbio.

    Nestes dias, era possível ouvir na praça gente falando de "melhoras de fundamentos" (economia pelo menos com desequilíbrios a menos). Mas não há "melhora de fundamentos". Melhora das contas externas, redução do deficit nas transações com o exterior? É notícia velha.

    "Melhora de expectativas"? Sim, mas são poucas e podem se quebrar. O governo de Michel Temer tem um bom script de promessas de política econômica a ser encenado por bons atores (autoridades econômicas) ainda nos bastidores. Só.

    Sim, é melhor do que a perspectiva anterior, de desastre quase certo. Porém, a "peça" da nova política econômica já havia sido anunciada.

    Taxas de juros gordas? Já tínhamos. Talvez uma combinação de juros com perspectivas melhores venha alimentando a especulação no mercado futuro. Fluxo de entrada de dinheiro, capitais, "dólar", não há. No ano, estamos no vermelho.

    Além do mais, o Banco Central vem desmontando sua posição no mercado de câmbio (que equivalia a uma tentativa de evitar maior desvalorização do real, os tais "swaps cambiais"). Talvez o valor dos "swaps" ainda seja alto demais (no trimestre, caiu de US$ 105 bilhões para US$ 62 bilhões).

    O BC vai acelerar esse desmonte? Sob nova direção, insinuou que não vai meter a mão no câmbio. Mas não vai intervir nem para desmontar uma intervenção antiga? Pode-se dizer que há alguma vantagem no dólar "barato": redução da dívida das grandes empresas e a tradicional grande mãozinha no controle da inflação e na baixa dos juros.

    Quanto ao comércio exterior, essas mexidas de curto prazo na taxa de câmbio não permitem que se diga grande coisa sobre o que se vai passar. No entanto, convém notar que as várias medidas do custo do trabalho no Brasil, "salário em dólar", estão com tendência de piora desde o início do ano (vem aumentando, cortesia de inflação e produtividade em baixa).

    Não, câmbio não diz tudo sobre saldo comercial. Sim, o comércio mundial vai mal. Sim, nosso comércio exterior é pequeno em relação ao tamanho da economia e, enfim, a contribuição extra que o setor externo pode dar agora à economia talvez seja cadente. Mas, na ruína em que estamos, não convém desprezar décimos de PIB.

    vinicius torres freire

    Está na Folha desde 1991.
    Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.

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