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    Vinicius Torres Freire

    A besteira do brioche do Temer

    29/12/2016 02h00

    Money Sharma/AFP
    Presidente Michel Temer acompanhado da primeira-dama, Marcela, na chegada ao aeroporto de Goa, na Índia
    Presidente Michel Temer com a primeira-dama, Marcela, na chegada ao aeroporto de Goa, na Índia

    O salário fora da lei de uns cinco juízes e procuradores paga a conta anual da comida do avião do presidente, que suscitou escândalo e cafonices demagógicas.

    Cortar qualquer gasto do governo jamais é má ideia, se por mais não fosse porque sempre falta, sei lá, um antibiótico em hospital. Outra coisa é ocupar o debate do Orçamento com mitos vulgares de pães e brioches.

    Do que se trata? O governo faria um leilão a fim de contratar empresa para abastecer de comida os aviões presidenciais, por um ano. O valor máximo da lista de compras seria de R$ 1.582.558. Em se tratando de governo, é certo dizer que dá para gastar menos. Mas o menu é de "dar inveja a socialites" etc., como se ouviu por aí? É populismo diversionista, jeca e ignorante.

    Os preços máximos parecem altos, muita vez 50% a 100% maiores que em supermercado on-line de São Paulo. Mas, em tese, é o máximo: é leilão. Claro, sempre pode haver um cartel da gororoba de avião.

    No mais, a lista é de um prosaísmo caseirinho. Parece uma nota de compra de mercado feita por aqueles "maridos que um dia 'ajudam' a mulher", com produtos medíocres e mais caros, coisa bem vida besta. Enfim, parece compra de "classe média" (segundo o conceito da ficção social brasileira, não da estatística de renda).

    Há empadinhas, quibes, bombons Sonho de Valsa e um excesso de latas de Nescau (tem tanto político tomando leitinho?). Há chicabons, escondidinhos e queijo ralado "parmesão" de saquinho, um erro em todos os sentidos. Nenhum pedido de coxinha, só de sanduíche de mortadela.

    No jantar "PR" (Presidente da República) tem aquelas entradas de quando ainda serviam comida em voo doméstico, grudes equivocados tais quais salada de muçarela com palmito e kani kama desfiado.

    É esnobismo? Vamos tratar o "PR" a pão e água? Ok. Vamos vender o Aerolula e o Palácio da Alvorada. Seria divertido e pouparia uns trocados mais graúdos.

    Melhor ainda, vamos acabar com os carros oficiais de políticos e juízes. Não rende muito, em termos de desastre fiscal, mas tem um sentido. Note-se: apenas o deficit federal deste ano deve ser de R$ 167,7 BILHÕES. A despesa total, de R$ 1,25 TRILHÃO (meio TRILHÃO só de Previdência, INSS).

    Cortar regalias de parte do alto funcionalismo talvez ajudasse a acabar com a ideia de que, em vez de entrar no serviço público, essa gente ganhou um título de nobreza jeca, meio caminho andado para se comportar como casta, se dar salários acima do teto e coisas piores.

    Por falar nisso, o salário além do teto de juízes e procuradores custa mais de BILHÃO por ano. Aliás, só de "publicidade de utilidade pública" do Executivo estão orçados R$ 470 milhões para 2017. Basta bater o olho no Orçamento para achar coisa esquisita.

    Há gente catando o que comer no lixo da rua, horror que mal se viu por uma década? Muita. Então fale-se de coisa séria, não dessa fofoca de quem se comporta no debate público como quem faz chacrinha em rede social. Trate-se das tragédias da Previdência, dos Estados, de outros desarranjos enormes do setor público e desigualdades no setor privado.

    Mas não. Legal é fazer onda com o sorvete do Temer, com o cartão da Dilma ou outra besteira parecida.

    vinicius torres freire

    Está na Folha desde 1991.
    Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.

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