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    Vinicius Torres Freire

    Choveu na horta de Temer

    19/02/2017 02h00

    O governo teve pequenas sortes na economia. Não é a salvação da lavoura arrasada, mas contribui para a discreta e ainda incerta melhoria de ânimos neste início de ano.

    É sorte porque caiu no colo, porque pouco ou nada resultou de ações do governo. Porque choveu na horta, em parte literalmente.

    O preço das mercadorias exportadas pelo Brasil aumentou em relação ao das importadas (houve aumento dos "termos de troca"), o que costuma dar uma mão extra na valorização do real. Depois de quatro anos em baixa, os termos de troca melhoraram a partir de fins de 2016.

    Uma calmaria inesperada na finança e na economia mundiais, taxas de juros altas e a administração econômica mais razoável devem ter feito o resto desse serviço cambial.

    Um "dólar mais barato" contribui para a baixa da inflação. Inflação e juros menores são das poucas transfusões de sangue disponíveis para o paciente crítico que é o Brasil.

    Choveu na horta, além do mais. O tempo bom contribuiu para a safra excelente, o que deu um talho adicional na taxa de inflação. No semestre que passou, os preços da comida subiram quase nada, inédito em mais de uma década.

    Esse e outros sucessos da agropecuária colocam parte da economia em movimento. Parte pequena. Mas se move. Ganhos de comércio, de resto, devem dar um piparote na renda, para cima.

    É tudo impulso miúdo, mas nem é preciso lembrar que passamos por uma catástrofe que ganhava ares de depressão. Tratou-se de um alívio na situação da virada de 2016 para 2017, quando pareceu haver risco de recaída feia na recessão, o que ainda é possível.

    Sim, essas chuvas na horta podem ser passageiras. Enfim, há sempre o risco de um dólar barato além da conta ter efeitos colaterais, matar brotos verdes mínimos da recuperação em algum setor da indústria.

    O real se valoriza, o custo salarial real "em dólar" volta a subir, embora esteja longe das alturas de 2010-2014. Era um tempo de economia inflacionada, de "tudo caro no Brasil", de dólar a R$ 1,60, do Bolsa Miami, para ficar no anedótico, o que ajudou a arrebentar a indústria (ênfase no "ajudou". Não foi só isso).

    Em português claro, contenção de custo significa achatamento dos salários reais, que ainda perdura. Ajuste é isso, mais ou menos, a depender do tamanho da besteira que se fez na administração da economia (nosso caso) ou do choque econômico.

    Essas sortes têm animado o pessoal do mercado financeiro. Estão comprando Brasil como se houvesse muito amanhã. Tomara que a especulação esteja certa. Mas, mesmo nos termos das apostas do "mercado", há nuvens adiante.

    A turma parece esquecida de quão difícil vai ser evitar um deficit primário ainda mais estourado do que o previsto.

    Há uma confiança risonha, franca e excessiva na aprovação da reforma da Previdência, que não está com cara alguma de ser o passeio que foi a PEC do teto de gastos. Governo impopular, reforma impopular e os primeiros pensamentos sobre a eleição de 2018 estão deixando os parlamentares inquietos.

    A PEC do teto era quase uma abstração. A Previdência é um eleitor que passa na calçada do escritório político dos deputados do interior pobre, quase todos.

    vinicius torres freire

    Está na Folha desde 1991.
    Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.

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