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    Vinicius Torres Freire

    Gastar mais, sem medo de ser feliz?

    10/09/2017 02h00

    Um governo endividado de um país em recessão pode aumentar gastos a fim de estimular a economia, sem que o remédio provoque efeitos colaterais ainda mais daninhos? Isto é, sem que provoque aumento das taxas de juros, de preços e da própria dívida?

    Sim, segundo bom estudo baseado na história de 20 países ricos, de Alan Auerbach e Yuriy Gorodnichenko, da Universidade da Califórnia (Berkeley), publicado em agosto ("Fiscal Stimulus and Fiscal Sustainability").

    A conclusão se aplica ao Brasil ou a países assim complicados? Os autores não tratam do assunto e fazem ressalvas quanto a usar seus resultados como panaceia, mas o trabalho alegrou muito economista brasileiro crítico da política econômica, em particular heterodoxos e adeptos do estímulo fiscal (gasto público).

    O assunto não é tão acadêmico quanto parece, mesmo considerada a chance por ora pequena de economistas de esquerda voltarem ao poder. Não se sabe o que será da recuperação econômica (lerda demais?) e do deficit (a dívida vai crescer rápido demais?). A depender do que vier, o debate sobre alternativas pode esquentar.

    Auerbach e Gorodnichenko não especificam o processo que leva do gasto à melhora das condições econômicas nem tratam do tipo de despesa que mereceria incremento. Em resumo, apenas testam o efeito de um aumento súbito do gasto sobre o tamanho da dívida (relação dívida/PIB), preços, taxa de juros e percepção de risco medido pelo CDS ("juro extra" cobrado por conta de risco de calote, grosso modo). Concluem que, em uma economia "fraca" (com desemprego e capacidade ociosa), o efeito do remédio (dívida sob controle e mais atividade econômica) supera efeitos colaterais (juros maiores), isso se houver algum.

    Os mercados, especulam, encarariam o estímulo fiscal não apenas como meio de reativar a economia mas de reduzir riscos da crise (políticas de austeridade que pioram o problema fiscal; governos populistas; calotes na dívida pública etc.).

    Parece elixir mágico. Mas, afora tecnicalidades que renderão pano para manga entre economistas, há ressalvas da lavra dos próprios autores.

    Primeiro, é preciso considerar também o destino de alguns passivos crescentes e sem fundos (Previdência e saúde em países que envelhecem). Segundo, os governos estão bem mais endividados que no passado. Um estímulo fiscal pode não funcionar tão bem agora. Terceiro, o que quer dizer "muito endividado"? O nível da dívida pode não dizer tudo (o Japão, mais saudável, tem mais dívida que a Itália). Enfim, o gasto pode ser apenas malfeito.

    "Dada a natureza da amostra, nossos resultados não devem ser interpretados como recomendação incondicional de gasto público agressivo como resposta à deterioração da economia. De fato, a experiência da Grécia e de outros países do sul da Europa são um grave alerta sobre os riscos políticos e os limites da política fiscal", escrevem.

    Enfim, tais estudos balizem a reflexão com dados, sejam as conclusões "médias" favoráveis a gasto ou a cortes, mas não é possível agir sem mais, sem diagnóstico preciso do caso, do contexto brasileiro. Quem se habilita a demonstrar que (e em quais condições) um aumento do gasto não terá impacto nos juros, por exemplo?

    vinicius torres freire

    Está na Folha desde 1991.
    Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.

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