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    Vladimir Safatle

    Pagando a conta

    17/06/2014 02h00

    Na esteira das discussões a respeito da pertinência de se cobrar mensalidades na Universidade de São Paulo, mais debates apareceram a respeito de nossas universidades públicas em outras partes do Brasil. Alguns deles se colocaram sob o signo de clamores de "justiça social", tentando passar a ideia de que nossas universidades públicas seriam espaços de espoliação do dinheiro do Estado pela elite.

    Contra essa pretensa espoliação, não se apresentam novas formas de financiamento para assegurar a gratuidade e o maior número de vagas. Ao contrário, com esses amálgamas, só mesmo possíveis no mundo invertido do liberalismo brasileiro, procura-se passar a ideia inacreditável de que universidades pagas seriam socialmente mais justas. Essa ideia, no entanto, não tem sustentação alguma.

    Segundo esta mesma Folha informou, algo em torno de 60% dos estudantes da Universidade de São Paulo vêm de famílias que ganham até dez salários mínimos (ou seja, até R$ 7.240). Digamos que essa "elite" devesse pagar mensalidades de R$ 2.000 por aluno matriculado na universidade. Para alguns, "justiça social" significa tal família ser obrigada a pagar quase 30% de seus salários para que seus filhos estudem em uma universidade pública.

    Imagine se essa família, ou mesmo uma família que ganhe R$ 10 mil, tiver dois filhos estudando em universidades. Como no Chile de hoje, ela deverá escolher um dos filhos para seguir na vida acadêmica. Um belo exemplo de justiça.

    Neste ano de eleição, colocar tal tema em pauta mostra a inanidade de nosso debate político atual. Ela mostra também o quanto a classe rica deste país está disposta a fazer para defender seus rendimentos. Deveríamos estar debatendo formas de taxar os realmente ricos para financiar melhor as nossas universidades públicas. Países como o Uruguai, que conseguiram conservar sua educação pública, têm impostos exclusivos para a educação.

    No entanto, estamos a debater como espoliar a classe média para evitar usar a capacidade de contribuição dos muito ricos para financiar nossos serviços públicos.

    Uma universidade como a USP representa 25% de todas as pesquisas feitas neste país, mesmo sendo administrada de maneira, no mínimo, temerária, como mostraram os resultados da nossa última reitoria. Muitos gostariam de impedir o Estado de financiar tais pesquisas submetendo-as aos interesses imediatos do mercado, transformando-nos em pesquisadores pagos por indústrias farmacêuticas, multinacionais, empreiteiras, bancos e outros amantes do saber desinteressado.

    vladimir safatle

    É professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de São Paulo). Escreve às sextas.

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