• Colunistas

    Tuesday, 07-May-2024 03:21:39 -03
    Vladimir Safatle

    Luzes, enfim

    27/01/2015 02h00

    Uma das propostas do partido grego Syriza, que venceu as eleições gregas neste domingo, consiste em religar a luz das casas que tiveram a eletricidade cortada por falta de pagamento. Só entre janeiro e setembro de 2013, 240 mil residências tiveram sua eletricidade cortada. Hoje, 1 milhão estão com a conta de luz atrasada, ou seja, 10% da população da Grécia.

    Esta é uma bela metáfora do que pode significar a vitória do primeiro partido de esquerda radical na história a governar um país da Comunidade Europeia.

    A dita racionalidade econômica aplicada na crise grega levou boa parte da população de volta à era das trevas, isto enquanto a banca internacional aplaudia as "reformas" implementadas pelo antigo governo conservador de Antonis Samaras com sua taxa de 25% de desemprego.

    Pouco importa se as políticas de "austeridade" e de "responsabilidade fiscal" jogam a população no breu e na fome, desde que as obrigações das dívidas sejam todas corretamente pagas aos bancos internacionais –os mesmos que costumam extorquir seus países quando entram em rota de falência.

    Syriza será a primeira expressão, na forma de um governo, de um radical sentimento de recusa a este capitalismo de espoliação e acumulação rentista.

    É fruto de um movimento de indignação que apareceu a partir de 2009, que passou pela Primavera Árabe e pelos Occupy.

    Trata-se de um partido que não tem nenhuma semelhança com os partidos tradicionais de esquerda. Não é por acaso que o Partido Comunista Grego os odeia.

    Sua lógica não é dirigista, nem centralista. Ela é uma frente multipolar composta por múltiplos grupos, de ecologistas a trotskistas, maoístas, nacionalistas e sociais-democratas radicais.

    Se há algo na história da esquerda próximo à vitória grega é a experiência chilena de Allende com sua frente de Unidade Popular.

    Quarenta anos depois, a história de um socialismo democrático e transformador será jogada novamente. Dessa vez, será aos pés do monte Olimpo.

    Representante de uma nova geração política, Syriza tem neste momento a tarefa de sobreviver e ser bem-sucedido contra as tentativas de impedir que o fantasma do descontentamento que assombra a Europa saia de sua forma meramente espectral e ganhe, enfim, corpo político. Um corpo que poderá contaminar outros países e modificar o cenário de inanidade atual.

    A favor dos gregos, há o espírito do tempo e o desejo de todos os que cansaram da escuridão, do medo e da miséria, seja miséria econômica, seja miséria de ideias.

    vladimir safatle

    É professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de São Paulo). Escreve às sextas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024