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    Vladimir Safatle

    Presos políticos

    03/02/2015 02h00

    Na semana passada, em artigo nesta própria Folha, o colunista Gregorio Duvivier lembrou com propriedade uma das mais aberrantes heranças da Copa do Mundo de 2014: 23 ativistas processados por associação criminosa armada. Alguns deles, como a professora de filosofia Camila Jourdan, impedidos de sair do Estado do Rio de Janeiro mesmo para ministrar palestras. Outros, como Rafael Braga, preso e condenado a cinco anos de prisão até hoje por ser pobre, analfabeto e participar de protestos portando uma periculosa garrafa de Pinho Sol, além de água sanitária. É de se esperar que mais pessoas falem contra tal situação intolerável.

    Poucos foram os momentos nos quais a máscara democrática do Estado brasileiro foi jogada no lixo de forma tão tranquila. Colocando à frente da Polícia Militar oficiais, como o coronel Fábio de Souza, que exigiam de seus subordinados "Padrão Alemanha de 1930" no combate aos manifestantes, declarando-se candidamente a favor da "instauração do Reich" em mensagens, o Estado brasileiro não viu problemas em montar inquéritos nos quais um cidadão chamado Bakunin, quem sabe escondido em Santa Teresa, era acusado de ser o mentor de quadrilhas prestes a acabar com a paz em nosso território. Vinagre e garrafa de Nescau foram elevados a estatuto de armas cujo porte justificava prisão.

    Depois das manifestações de 2013, o Estado brasileiro colocou em operação sua conhecida tática de infiltração entre manifestantes e incitação a fim de justificar ações cada vez mais brutalizadas. Como estamos atualmente na era do vídeo fácil, fomos brindados com cenas nas quais policiais infiltrados saiam de grupos de manifestantes para, em meio ao conflito, ocupar seu lugar na tropa. Todos viram, mas muito agiram como se não houvessem visto.

    Esta aposta no aumento da violência foi a única resposta encontrada pelos governos para as demandas e a revolta social que explodiu no país há dois anos. Infelizmente, ela parece ter dado certo. Mas como é praxe, o Estado e sua polícia parecem ter se animado e continuam a agir como se todos acreditassem em suas histórias farsescas. Faz parte do modo brasileiro de governar esta capacidade cínica de continuar a agir em nome da legalidade mesmo sabendo que os primeiros a saírem da legalidade são os próprios representantes do poder.

    O que estas pessoas fizeram foi, basicamente, protestar contra o absurdo que foi o gasto com a Copa do Mundo e contra o desprezo para com o descontentamento social em nosso país. Tratá-los como criminosos e prototerroristas é a única resposta que o Estado brasileiro tem a dar.

    vladimir safatle

    É professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de São Paulo). Escreve às sextas.

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