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    Vladimir Safatle

    O paradigma da representação

    16/06/2015 02h00

    Houve ao menos um belo momento na última eleição presidencial francesa, há alguns anos. O então candidato da Frente de Esquerda, Jean-Luc Mélenchon marcou um comício na praça da Bastilha, no dia em que se comemora a Comuna de Paris. Ninguém sabia quantas pessoas estariam presentes até que uma massa impressionante apareceu de maneira inesperada. Algo em torno de 100.000 pessoas. Diante de todas aquelas pessoas, o candidato teve a sagacidade de começar seu discurso perguntando: "Onde todos nós estávamos?".

    Digo isto porque virou um ponto recorrente a impressão de que o Brasil está atualmente tomado por uma onda conservadora que se manifesta através de deputados evangélicos com faixas contra a Parada Gay no Congresso, população a favor da redução da maioridade penal, suspeita generalizada a respeito de tópicos de política contra a desigualdade, discurso canino contra tudo que parece ligado à esquerda, entre outros. Tal impressão faz com que aqueles que se identificam com pautas progressistas sejam invadidos por uma profunda melancolia.

    Sim, tudo parece nos levar a crer que um fantasma conservador assombra o Brasil. Mas a verdade talvez seja outra. Mais do que um fortalecimento do pensamento conservador nacional, o que temos atualmente é uma implosão da praça na qual os que sempre se identificaram com o pensamento de esquerda possam se fazer ver.

    Vemos atualmente um processo impressionante de redefinição dos atores na política brasileira. Há tempos, estava claro que a tendência da política em nosso país era ir para os extremos. Os atores políticos definidos na eterna transição da Nova República paulatinamente perderam sua força de mobilização. As grandes manifestações conservadoras do início do ano foram feitas a despeito dos partidos tradicionais. Mesmo partidos como o PSDB se veem, atualmente, em luta entre antigas personalidades mais centristas e seus novos parlamentares mais conservadores.

    No entanto, se o campo conservador conseguiu avançar na constituição de uma nova visibilidade, o campo dos que se identificam com a esquerda ficou paralisado. Uma das razões foi a incompreensão de que este novo momento pede novas formas de estar junto e agir junto. Não será tentando ressuscitar nossas antigas formas de mobilização e organização que conseguiremos sair desta paralisia atual. Se formos capazes de tal reinvenção, estaremos em breve falando a mesma frase do candidato francês: "Onde estávamos durante todo este tempo?".

    vladimir safatle

    É professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de São Paulo). Escreve às sextas.

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