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    Walter Ceneviva

    Significado jurídico de Chávez

    09/03/2013 03h00

    A morte de Hugo Chávez gera preocupações quanto às mudanças que dela decorrerão em seu país e nas relações externas. Terminou o governo que, por quatorze anos, controlou todo raio de ação da realidade venezuelana.

    O Brasil tem interesse em manter em bom nível a relação com o novo governo. Não faz exceção à regra. Mas como será?

    Três questões chamam atenção. A primeira é chamada internacionalização da Amazônia que, ao menos em tese, pode encontrar eco entre nossos vizinhos da área, mas a cujo respeito o Brasil tem forte posição contrária.

    A segunda está relacionada, em parte, ao Mercosul. A institucionalização do Cone Sul não tem encontrado soluções duradouras rápidas para problemas surgidos na passagem das fronteiras. A integração econômica, política, social e cultural não atingiu a velocidade desejada pelos idealistas que inseriram esse programa no parágrafo único do art. 4º da Constituição.

    Especificamente no que se refere à Venezuela, a aproximação por via terrestre ou fluvial poderá, no futuro, ampliar a relação dos dois vizinhos. Talvez um pouco da experiência do Mercosul seja útil.

    A Venezuela chama atenção em parte pela enorme riqueza em petróleo, cujo significado econômico e político é de interesse recíproco.

    O país pode ter boa ligação com o Brasil. Será ampliada a comunicação rodoviária ao norte de Manaus, no rumo final de Caracas, praticável sem as chuvas.

    Nada obstante a proximidade, o relacionamento passará por necessária reavaliação. Depende do realinhamento dos líderes no grupo de Chávez como adaptação à nova realidade. A forma jurídica das soluções terá influência, mas não se confundirá com o ajuste direto dos interesses comerciais recíprocos.

    Há, ainda, a busca de soluções do interesse dos países ao longo da linha equatorial, abaixo e acima dela. A questão foi enfrentada pela primeira vez em 1978, com a assinatura do Tratado da Cooperação Amazônica, para a bacia do Amazonas e de seus afluentes. De tempos em tempos, fala-se desse assunto, mas sem grande divulgação.

    As condições brasileiras da região foram substancialmente alteradas, em Mato Grosso, Tocantins até o Atlântico, modificando a ideia de cooperação.

    Muito embora se reconheça que a soberania nacional tem influência no diálogo continental, a convicção sobre o interesse comum tende a se ampliar.

    Na região equatorial, a convicção das posições relativamente próximas tem como exemplo a estrada entre o Brasil e o litoral peruano, que permite o acesso brasileiro ao Pacífico.

    Nos países da América Latina, de um modo geral, a tradição histórica manteve a estrutura de comando nas mãos de uns poucos, frequentemente apoiados pelas forças armadas, dividindo os atos de governo entre eles. Nesses países --quer a Constituição seja a expressão média das tendências da maioria, quer seja uma hipocrisia ditatorial para efeitos publicitários--, a ação do Estado ainda se confunde muito com pessoas que dominam o poder.

    A democracia é o ideal a ser buscado, mas a visão planetária mostra que a verdadeira democracia --exemplo do Brasil de hoje-- é minoritária. Nosso país terá de se haver com todas alternativas. É o preço de seu crescimento.

    walter ceneviva

    Escreveu até novembro de 2013

    É advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. Assinou a coluna Letras Jurídicas, em "Cotidiano", por quase 30 anos, tratando com cuidado técnico, mas em linguagem acessível, de assuntos de interesse para a área do direito.

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