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    Walter Ceneviva

    O ser índio e seu direito

    08/06/2013 03h00

    "Ser", no título, não é verbo. É substantivo. Caracteriza o ser humano aborígene, aquele que, assim como seus ancestrais, nasceu no mesmo território em que passou a viver. É o sentido no qual se coloca o índio brasileiro, desde as tribos habitantes de áreas que vieram a compor, depois de 1500, o país chamado Brasil. Essa é a razão pela qual a Constituição fez bem em dedicar um capítulo ao índio brasileiro, pela primeira vez, nos arts. 231 e 232.

    O modo correto de os definir é afirmar que índios são aqueles cujos costumes, línguas, crenças e tradições são reconhecidos, assim como os direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Veja o leitor que o verbo ocupar está no presente do indicativo.

    A Carta Magna reconhece a condição de índio daquele que em 5 de outubro de 1988 tinha características individuais e sociais, próprias de sua qualidade e de suas proveniências. A condição tradicional das terras ocupadas por eles se acha no parágrafo 1º do art. 232.

    De tudo resulta que, confundir a ocupação do território brasileiro em 1500 com característica da propriedade integral da terra, pelos índios que aqui residiam, é uma lição inconstitucional. Até porque as tribos competiam, entre elas, para terem as melhores terras.

    A característica, determinante da propriedade indígena, refere-se a áreas do espaço brasileiro que o índio tratava como seu e efetivamente exercia o direito, em 1988. Assim, cabe distinguir o fato inconteste de que os exploradores europeus encontraram a área sob as ordens de seres estranhos, como também aconteceu em partes do Novo Mundo.

    Curiosamente, as memórias históricas de nossos índios não são iguais às recolhidas nos Estados Unidos, especialmente nos exemplos cinematográficos tão conhecidos. Em invasões europeias de nosso espaço colonial foi comum -embora com exceções- vê-los aliando-se aos portugueses.

    Assim, se pode ver a tradicionalidade da posse, na definição constitucional, bem como do aproveitamento da terra. Compõem o duo de básicos requisitos legais, indispensáveis para que uma terra índia seja reconhecida sob os parâmetros constitucionais. Nenhum outro modo de ver o tema é aceitável, ante da força da norma e do enunciado da Carta Magna.

    Ninguém, em sã consciência, pode despojar os nossos silvícolas das áreas que compõem, o espaço de sua vida e de direito, na história e no presente. Mas, repita-se, respeitada a mesma Constituição que reconheceu seu predomínio. Nos limites fixados pela Carta. Não se pode ter posição jurídica isenta, sem observar os ditames constitucionais.

    Aqui, até o aproveitamento dos recursos das terras indígenas compõe precioso conjunto de proteção e de garantia deles, mas, para maior certeza, limitada aos que ocupavam áreas do território do Brasil quando vigente a Constituição de 1988.

    Quando se vê as invasões dos últimos dias por representantes de tribos indígenas e a resposta agressiva, é forçoso reconhecer que a Constituição vê-se ofendida pelos dois lados com atos de violência.

    As agressões inspiradas nos velhos filmes americanos não são aceitáveis. Ofendem a Carta Magna. Agravam as divergências. Os mecanismos constitucionais brasileiros têm remédios pacíficos para lhes reconhecer e preservar os direitos em conflito.

    walter ceneviva

    Escreveu até novembro de 2013

    É advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. Assinou a coluna Letras Jurídicas, em "Cotidiano", por quase 30 anos, tratando com cuidado técnico, mas em linguagem acessível, de assuntos de interesse para a área do direito.

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