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    Walter Ceneviva

    O povo e seu direito

    DE SÃO PAULO

    03/08/2013 03h00

    Numa capa feliz, o jornal da OAB-SP mostrou imaginária moeda de R$ 0,20, dando à matéria o título apropriado "O estopim de toda a história". O aumento no transporte urbano, na capital paulista, gerou manifestações fortes, que obrigaram o prefeito a puxar o breque de mão do aumento. Aí, porém, o exemplo se expandira por todo Brasil. Houve manifestações violentas, até com ofensa ao direito de terceiros, danos a bens públicos (que, por natureza, são de todos) e particulares. De norte a sul.

    Daí o pensamento a respeito do campo em que fica o direito de todos, desse conjunto heterogêneo e complexo, ao qual se dá o nome de povo, em português, e, em outras línguas, de "popolo", "pueblo", "people", "peuple" entre outros idiomas conhecidos. O vocábulo povo, porém, também tem sido utilizado, nesses mesmos idiomas ou em outros, significando multidão. Há também o aproveitamento dos que se intitulam "partido do povo", sem o serem de verdade.

    Tudo isso por quê? Para desenvolver um raciocínio com o leitor, relacionado com o direito. Assim: nós todos, ou seja, nós, o povo, temos, em conjunto ou individualmente, o mesmo direito. É proverbial a frase de que todos são iguais perante a lei, que abre o texto constitucional. Enuncia os diretos e deveres individuais e coletivos de todos. Dão a súmula da vida organizada em cada grupo social da cidadania, vista coletivamente. Sem exceção alguma.

    Se brasileiros e estrangeiros aqui residentes têm garantia de "inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade" (texto expresso no art. 5º da Constituição) como fica o direito dos que tiveram perdas pessoais e patrimoniais, em suas casas, em seu direito de ir e vir, em seu direito de não participar? Ou, ainda pior, em seu direito de não ver destruídos bens seus (já nem lembrando dos danos às pessoas, que se têm repetido), seja qual for a condição dos atingidos?

    Se fosse dito que o caldeirão dos contrastes sociais ficou tão conturbado que certos excessos agressivos são explicáveis (ou explicados), o leitor tenderia a favorecer a ditadura que comete os piores delitos, mas controla a imprensa, pune a divulgação e cria na cidadania uma falsa impressão de paz e segurança, raramente duradoura. Logo, cabe a nós perguntar qual o defeito essencial da ordem republicana neste momento.

    O começo da resposta cai fatalmente sobre os políticos, tomada a acepção na maior amplitude, desde o mais simples vereador, do menor município, ao último grande cacique da política nacional que tem cidades e estados no bolso do colete, para controle quase absoluto. Portanto, com o emprego do vocábulo "políticos", indicando homens e mulheres, praticantes diretos e indiretos de atos relacionados com os negócios da administração pública, em todos os níveis. Por isso mesmo chamados de políticos.

    Mas não é só: cada cidadão deve fazer seu exame de consciência, pessoal, familiar e profissional para ajudar na correção dos costumes. O melhor modo de chegar a esse objetivo, na democracia, consiste no voto, sério, pensado. A seleção final dos valores cabe ao povo. Sem que o povo pense, o direito de todos sofrerá. A coletividade mutante carece da contribuição de cada um. Para o bem de todos.

    walter ceneviva

    Escreveu até novembro de 2013

    É advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. Assinou a coluna Letras Jurídicas, em "Cotidiano", por quase 30 anos, tratando com cuidado técnico, mas em linguagem acessível, de assuntos de interesse para a área do direito.

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