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    Walter Ceneviva

    Partidocracia eleitoral é ruim

    DE SÃO PAULO

    24/08/2013 03h00

    O noticiário da semana recomenda a volta ao cotejo do direito com a política, focado nos rumos partidários, nestes tempos de incerteza. Aparentemente estão mais para favorecer estocadas nos adversários, que para auxiliar a composição de grupos distintos com ideais, a favor do bem geral.

    O defeito não decorre da lei eleitoral, que é boa. O Brasil tem na Carta Magna a estrutura de sua Justiça para controle das eleições. É federal, igual para todo o país, desde o Tribunal Superior, aos Tribunais, Juízes e Juntas Eleitorais, nos arts. 118 e seguintes da Constituição.

    Agora que se aquece a preparação para as próximas eleições, é frequente a pergunta: se a lei eleitoral é boa, como se explica a má qualidade de muitos dos escolhidos?

    A resposta começa com a partidocracia. Não inventei o termo, embora não conste de muitos dicionários. Define a realidade em que a máquina do Estado é preenchida por membros de um partido, não necessariamente único, em todos os níveis. Terminado o pleito, começam adesões, formalizadas ou não na Justiça Eleitoral, dando origem à partidocracia operacional, ao redor dos vencedores.

    A partidocracia assume ares de praga política. Deturpa meios e caminhos da democracia. Gera uma espécie de sobrepoder, filiado às trocas de vantagens recíprocas, no compadrio de dirigentes das facções, com favores intercambiados, levando ao abuso, como se viu e se vê nas apurações levantadas, até o final do julgamento do mensalão, no Supremo Tribunal Federal. O resultado já mostra que se espalharam benefícios advindos da distribuição ilícita de fundos públicos. Com muita frequência, é troca de vantagens, "entre compadres".

    E a lei? A pergunta do leitor é pertinente, para acertos ilegítimos, fingidamente democráticos.

    No "Dicionário de Política" coordenado, entre outros, por Norberto Bobbio, a partidocracia, sugere algo mais que o governo de partidos. Corresponde "ao domínio ou à expansão do domínio" da chefia política. Distorce a compreensão do que é necessário para a democracia legitimadora do poder, resumida nos arts. 1º a 4º da Constituição.

    A ditadura é o despropósito do predomínio. A força está no lado da coronha e, na alça de mira, vêm-se os opositores oprimidos, em formas diversificadas de abuso. Tem todos os defeitos de forma extrema da partidocracia da força, sob um só controle. É a submissão ao descalabro, na concentração dos interesses sob uns poucos, que se acertam entre eles. A corrupção ocultada, do poder negociado, nega a igualdade do voto. O manuseio do poder é válido, porém, quando assegura sua alternância, sem que tudo se resolva em um círculo interno de predomínio, no qual os espertos triunfam.

    O dono verdadeiro do poder, ou seja, o povo, é, com relativa facilidade, levado a engano.

    Conhecer a partidocracia e seus maus efeitos é um bom passo no rumo da correção dos desvios ilícitos.

    Os dias de reivindicação coletiva, que temos vivido, são importantes. Para que todos sejam iguais, o maior número de cidadãos deve ter consciência de seu dever em face da nação. A alternância do poder nem sempre é compreendida ou realizável, mas sempre necessária. O melhor para todos exige paciência e solidariedade, sem violações perigosas e destrutivas.

    walter ceneviva

    Escreveu até novembro de 2013

    É advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. Assinou a coluna Letras Jurídicas, em "Cotidiano", por quase 30 anos, tratando com cuidado técnico, mas em linguagem acessível, de assuntos de interesse para a área do direito.

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