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    Xico Sá

    São 126 anos de escravidão

    08/03/2014 03h00

    Amigo torcedor, amigo secador, não podemos deixar barato ou por menos qualquer manifesto racista. Hoje esta crônica não tem firulas, aviso logo. É dever dos homens de boa vontade, de qualquer cor ou origem, um brado retumbante, um honestíssimo e urgente panfleto, como se estivéssemos no século XIX, pré-1888. Mentalmente muitos teimam em continuar por lá. Que se danem e paguem com as leis de hoje.

    Enquanto houver um único sujeito nessa condição e nesse tempo, no estádio ou na ópera, no San Siro ou no Romildão do Sapão de Mogi, no Santiago Bernabéu ou na Montanha dos Vinhedos –o estádio de Bento Gonçalves (RS), com batismo tão bonito–, estaremos aquém do sentido de humanidade.

    Nem falo aquém do humanismo a essa altura, esta ideia parece enterrada mesmo. O máximo que espero é que a vida nos dê a mínima chance de não apenas piorar as coisas. A vida como Campeonato Baiano das antigas: turno e returno, para a festa dos deuses que dançam, os únicos que contam, compreendendo a doideira de estar no jogo. E vivo. O terreiro como território, como aprendi com o Rizério.

    Outro dia falamos dos peruanos, no caso do Tinga (Cruzeiro), agora bate, de novo, à nossa porta esta herança maldita à prova de abolição e Lei Áurea. É mental, está nas camadas sombrias destes monstros, no fundo das ruindades encobertas.

    Ô gente carregada com o peso do nada. Grande Arouca, outra noite, aqui no boteco Chico & Alaíde (Rio), estava aprendendo sobre a existência com um cara que considero que vale a pena empregar o termo genial, hoje tão banal. Falo do negão-mor Paulo Cézar Lima, Caju, cara que prezo desde sempre e cujo amor ficou mais lindo após uma triangulação com o calcanhar do Sócrates –amigo é aquele que te deixa, além de uns "pinduras" nos bares da Vila Madalena (rs), outros amigos incríveis para comungar as mesmas belas loucuras futuras, está valendo a conta, Magrones. A gente falava da tua bravura e elegância, Arouca, nem sei direito, velho, como esse papo começou, mas sei que era o PC na sua filosofia máxima te dando o valor que nem se discute.

    Como o Muricy, esse porreta, que, assim como essa crônica, deixou o seu desagravo.

    Estamos juntos ou estaremos nas trevas. Chega.

    Caríssimo Márcio Chagas da Silva, árbitro punido pela cor lá na Montanha dos Vinhedos, só me resta chorar contigo essa desgraça.

    A essa altura da crônica, sei lá, o léxico, o lógico, o raciocínio foi para as cucuias, desculpa, amigo.

    Infelizmente nada disso se trata apenas de um bom épico vencedor do Oscar, como "12 anos de escravidão". Nesta triste semana, teríamos que acrescentar um vergonhoso seis. Donde concluímos: 126 anos de herança mental escravocrata. Será que errei na conta? Sou péssimo nisso: 1888 até hoje, dá quanto mesmo?

    xico sá

    Escreveu até outubro de 2014

    Jornalista e escritor, com humor e prosa. É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Também mantinha um blog no site da Folha.

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