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    Xico Sá

    Futebol no inferno

    29/03/2014 03h00

    Amigo torcedor, amigo secador, o presidente da CBF, José Maria Marin, resquício autoritário que nos restou do golpe cinquentão, soltou, a esta Folha, a frase do ano: "Estamos no purgatório. Se vencermos a Copa, se ganharmos a Copa, vamos para o céu. Se perdermos, vamos todos para o inferno. Eu já falei isso para o Felipão".

    Em ano eleitoral, a divina comédia de Marin faz mais sentido ainda. Uma derrota da seleção em campo somada a um possível caos fora das quatro linhas, sei não, dificulta o jogo governista da presidente Dilma.

    Você há de dizer, amigo, o povo sabe separar as coisas etc, não mistura futebol e política. Acontece que, como mostra a gritaria –ainda tímida– do #nãovaitercopa e a referência do "padrão Fifa" como demanda social politizaram de vez o evento que será uma espécie de partida preliminar das eleições de outubro.

    O futebol visto durante a ditadura como ópio do povo, o mesmo que a religião para os seguidores do barbudo Karl Marx, volta neste ano da graça de 2014 não só como farsa, mas como fator decisivo na boca da urna.

    Trabalhemos com sensações, meu caro marqueteiro eleitoral, ou com o veneno/remédio, como diria José Miguel Wisnik. Imagina sair da Copa com gosto amargo de que decepcionamos. Não éramos o país de sete anos atrás, o país da moda que contratou o Mundial sob aplausos felizes e emergentes de nova superpotência. Imagina que também não somos mais donos da bola, esse amaciante simbólico que sempre nos conforta a alma vira-lata e pachequística.

    Tudo bem, não somos assim uma esculhambação feito a Espanha em matéria de desemprego, estamos bem na fita, temos índices melhores que todo o ex-Primeiro Mundo e as compensações sociais merecidas, equivalentes a políticas de pós-guerra, funcionam decentemente –vide Bolsa Família, modelo para ONU etc.

    O eco da divina comédia do Marin, só para deixar a crônica mais compreensiva: "Se perdermos, vamos todos para o inferno. Eu já falei isso para o Felipão". Eco dantesco. Sabemos que Felipão trabalharia tranquilamente no filme "Onde os fracos não têm vez", mas que bronca.

    Nunca a oposição secou tanto a seleção canarinha. Só não contratou ainda as forças estranhas do meu corvo Edgar, o maior agourento do Brasil, porque ele não se vende por qualquer raçãozinha burguesa. Escrevo, ele crocita como quem gargalha. É isso aí.

    Que ano rico, amigo, com as implicações e contradições brasileiríssimas na roda viva. Tão bom para um cronista que me lembra um clássico do cordel chamado "O futebol no Inferno", de José Soares, paraibano genial, torcedor do Santa Cruz, conhecido como o poeta-repórter. Ele narra um jogo entre o time de Lampião e a seleção do Satanás. Nada mais apropriado para o ano da Copa e das eleições. Vistam suas carapuças e que apite o senhor juiz.

    @xicosa

    xico sá

    Escreveu até outubro de 2014

    Jornalista e escritor, com humor e prosa. É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Também mantinha um blog no site da Folha.

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