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    Zeca Camargo

    Sozinhos na praça

    02/01/2014 04h00

    Sevilha não é exatamente famosa por seu Réveillon. Ou melhor, até é –se você perguntar aos espanhóis. Mas será que a "nochevieja" (literalmente, "noite velha") por lá é tão boa assim, que justifica passar a entrada do ano duas vezes por lá? Sou encantado com a Andaluzia, que ocupa boa parte do sul da Espanha, pela sua beleza, sua comida excepcional e pelo fato de a região ter sido uma das mais cosmopolitas da história, séculos antes de isso ser uma tendência. Mas ter passado o Réveillon duas vezes na cidade foi uma espécie de aprendizado cultural.

    Na primeira vez, viajava com um grupo de amigos de carro, e chegamos a Sevilha em cima da hora para a festa. Estacionamos em frente a um hotel perto do centro na manhã do dia 31 de dezembro e começamos a perguntar onde seria a festa. Logo descobrimos que o lugar "quente" era a Plaza Nueva, onde todos se juntavam na frente de um relógio para receber o ano novo.

    E saímos a fazer compras para uma ceia improvisada em um dos quartos em que estávamos hospedados. Com a memória de vários Réveillons no Brasil, planejamos o seguinte: um jantar (no quarto), uma caminhada até a Plaza Nueva (15 minutos do hotel), uma champanhe na frente do relógio, e depois dançar em algum lugar do centro.

    Nossa ceia, mesmo com quitutes comprados às pressas, foi um sucesso. Eram 23h30 quando saímos do hotel e já podíamos sentir o frisson das pessoas andando em direção
    à praça para a festa. Meia-noite! Gritos, apitos, rolhas espocando, beijos e abraços. Mas o lugar se esvaziou rapidamente depois disso. Em menos de dez minutos, nosso grupo era o único que restava na Plaza Nueva.

    Foram todos para os bares, pensamos. E começamos a procurar onde beber e festejar. Porém, as ruas desertas eram quase assustadoras, como se pertencessem a uma outra cidade, não aquela onde tínhamos acabado de despedir de 1994. Nas portas dos bares fechados, um aviso: "Abrimos às 4h (da manhã)". Mas então, o que as pessoas iam fazer até então? Ora, comer em suas casas com suas famílias.

    No nosso planejamento "perfeito" esquecemos de observar os costumes locais. Esses espanhóis sabem aproveitar a vida. Lá, almoça-se tarde, janta-se tarde. E é claro que numa noite especial, o que poderíamos esperar era uma ceia bem tarde -depois da meia-noite! Mas olhamos para o Réveillon de Sevilha como se estivéssemos no Brasil, e nosso castigo foi vagar pelas calçadas da cidade até que um lugar resolvesse abrir para nos acolher -o que não aconteceu antes das 3h!

    Lição aprendida, quando retornei à cidade, mais de dez anos depois, fizemos como os sevilhanos: passamos o dia 31 na rua, comprando comidas e presentes; tomamos um bom banho perfumado e nos preparamos no hotel até quase meia-noite; fomos então à Plaza Nueva; depois sim, jantamos; e seguimos para a noite animada.

    Que só ia terminar, claro, com as primeiras luzes do ano novo.

    zeca camargo

    É jornalista, apresentador e autor de livros como 'A Fantástica Volta ao Mundo' e '1.000 Lugares Fantásticos no Brasil'. Escreve às quintas,
    a cada duas semanas.

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