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    Zeca Camargo

    "Tintim na Jordânia"

    DE SÃO PAULO

    27/03/2014 03h00

    Não é preciso ser um grande conhecedor das aventuras do imortal personagem criado pelo belga Hergé para saber que há algo estranho com o título ao lado. Mesmo um fã moderado -ou melhor, de moderado para entusiasmado- como eu sabe que não existe um livro com este nome. Tintim esteve no Tibete, no Congo, na América -e até na lua. Mas, oficialmente, nunca esteve na Jordânia. E muito menos em Petra, de onde voltei recentemente.

    Mesmo assim, resolvi brincar com essa ideia aqui hoje -a de que, de certa maneira, Tintim levou nossa imaginação para os quatro cantos do mundo. Não sou o primeiro a tomar essa liberdade com esse personagem tão querido. Uma vez estava em Hanói quando, numa loja de artesanato, encontrei um pequeno pôster emoldurado com uma capa que poderia ser de um livro do meu herói. O título da história? "Tintim no Vietnã"!

    Seria um "inédito"? Uma cópia pirata? Era simplesmente uma brincadeira -que, ao contrário de ofender os fãs, os homenageia com mais um destino possível para o primeiro "repórter sem fronteiras" dos quadrinhos.

    Revivi esse momento em Petra, ao encontrar "réplicas" de capas de uma história que se desenrolava por lá. Sabia que era um truque, mas alguma coisa me dizia que Tintim já havia passado por aquelas bandas...

    Como não confio em minha memória, quando cheguei ao hotel, depois da visita às suntuosas tumbas de pedra, procurei na internet e, de fato, lá estava a mais bonita delas ilustrando um quadrinho de "Perdidos no Mar"! Hergé não cita expressamente o local, mas a referência do desenho é óbvia. Eu tinha acabado de passar por um cenário de "Tintim". E vibrei com a descoberta.

    Afinal, se posso detectar uma verdadeira inspiração para eu ter essa vontade de sair pelo mundo, Tintim certamente é uma delas. Sem ter ainda colocado os pés para fora do Brasil, era em seus livros que eu "viajava" -e sonhava em ir além.

    Numa outra escala (quem me dera...), é um pouco isso que procuro fazer sempre que escrevo sobre minhas viagens: inspirar. Vivemos tempos estranhos, é verdade, onde qualquer história de viajante, especialmente no belicoso mundo da internet, pode ser interpretada como uma provocação: "Olha lá onde eu fui. E você não"... Mas o objetivo é exatamente oposto. Um bom texto de viagem deve funcionar como um convite: "Olha onde eu cheguei. Por que você não vem aqui também?".

    Pelo menos era assim que eu lia todos aqueles Tintins -e toda literatura de viagem de caía nas minhas mãos, de Júlio Verne a Jonathan Swift, passando, claro, por Monteiro Lobato. É assim que leio até hoje dezenas de artigos em revistas e sites de turismo. E é assim que eu me alimento para continuar viajando.

    Por isso, entre tantas coisas que me divertiram nessa última viagem, a passagem por Petra foi especial. Era como se eu tivesse seguido os passos do meu ídolo, andando nas pegadas de Tintim. Não estava fugindo de ninguém, como ele e o capitão Haddock em "Perdidos no Mar". Mas estava devorando tudo com seus olhos de jornalista curioso.

    Era incrível imaginar que aquela paisagem toda era um grande cemitério, uma coleção de tumbas onde as pessoas, depois de mortas, se integravam com o grande deus das pedras. Mas quem liga para história quando se está cercado de pura beleza?

    Petra é um dos raros lugares em que a mão do homem fez a natureza maior. E ali estava eu, no meio de centenas de turistas, feliz de ter chegado a um lugar que, quando vi pela primeira vez, achei que só existisse na imaginação.

    Obrigado, Tintim!

    zeca camargo

    É jornalista, apresentador e autor de livros como 'A Fantástica Volta ao Mundo' e '1.000 Lugares Fantásticos no Brasil'. Escreve às quintas,
    a cada duas semanas.

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