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    Zeca Camargo

    Ligeiramente deslocado

    03/07/2014 02h00

    Experimente ir para fora do seu país quando ele é a sede de uma Copa do Mundo. A pergunta que você vai mais ouvir na viagem é: "Mas o que você está fazendo aqui?". Não importa o destino –vai ser isso direto. Eu sei porque acabei de viver isso. E olha que eu estava em Paris.

    Ninguém deveria se espantar com o fato de eu visitar essa cidade. A não ser, claro, que eu resolvesse passar por lá exatamente quando o Brasil é a sede do maior evento esportivo do mundo. Mas eu tinha uma boa desculpa: uma folga do trabalho exatamente nessas duas primeiras semanas de Copa –durante as eliminatórias. Assim, resolvi aproveitar.

    No Brasil, vi só o primeiro desafio do nosso time, contra a Croácia. Dois dias depois da nossa estreia duvidosa, já estava em solo francês –e foi lá que assisti ao nosso empate com o México. E também vi a nossa vitória surreal frente a Camarões. A tecnologia, como sempre, encurtou essa distância.

    Vi as transmissões pela TV francesa, com pequenos grupos de amigos expatriados –e vivi uma estranha dissonância cognitiva ao acompanhar os lances numa outra língua. Mas estava o tempo todo em contato com amigos que se juntaram animados por aqui (principalmente no Rio e em São Paulo) e não deixei de receber sequer um meme engraçadinho –ou um #malandro.

    Estranhamente, porém, não consegui me conectar com os torcedores franceses, mesmo os mais entusiastas do Brasil. Claro que suas energias estavam voltadas para "les bleus" –os que defendem a camisa azul da França. Mas eu esperava um pouco mais de entrosamento, especialmente porque bandeiras brasileiras enfeitam as ruas de Paris nesta temporada.

    "Torcida de verdade" ou mero atrativo para turistas que queriam acompanhar a Copa e, com nosso verde-amarelo, podiam identificar um bar ou um café que transmitia os jogos? Tive minha resposta ao pegar um táxi bem no dia em que a França jogava contra a Suíça (sim, táxis e tudo mais funcionam normalmente no país mesmo quando sua equipe está jogando).

    Entrei no carro com o jogo já começado. O motorista acompanhava pelo rádio, com a tensão de quem estava num estádio. Perguntou de onde eu era e fez um rápido elogio a Neymar. E essas foram as últimas palavras suas que eu entendi. Meu francês é razoável –posso manter uma boa conversação. Mas é que logo em seguida, a França marcou seu primeiro gol do dia e aí o motorista disparou a comemorar numa velocidade inalcançável para meus ouvidos. E apenas um minuto depois, o segundo gol o deixaria ainda mais eufórico.

    Foi então que passamos por um café onde franceses celebravam a dobradinha de gols na calçada. O motorista parou o carro, virou-se e disse: "Monsiuer, o senhor é brasileiro, vai me entender". Depois abriu a porta e foi abraçar seus compatriotas, com copos de chope e, sendo ali Paris, taças de vinho na mão.

    Menos de um minuto depois, ele estava de volta à direção para me levar ao restaurante –o já conhecido e admirado Roseval. Retomou sua euforia com a seleção francesa, mas eu já não prestava mais atenção. Minha cabeça já estava com "meus compatriotas", que assistiam, vibravam, torciam juntos –"lá no Brasil".

    Teria feito eu um bom negócio ao trocar de países justo neste evento? Bem, em outra coluna prometo te convencer de que Paris sempre vai ganhar contra qualquer cidade no "gol a gol" –pelo menos no que diz respeito ao lazer. Mas, como me lembrou meu "amigo" taxista, eu sou brasileiro... É aqui que a gente deve comemorar ou sofrer pelo nosso time. Ou, como tem sido o caso nesta Copa, conjugar esses dois verbos ao mesmo tempo.

    zeca camargo

    É jornalista, apresentador e autor de livros como 'A Fantástica Volta ao Mundo' e '1.000 Lugares Fantásticos no Brasil'. Escreve às quintas,
    a cada duas semanas.

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