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    Zeca Camargo

    4 x mundo

    01/01/2015 02h00

    Uma pergunta para começar o ano de quem tem essa (nossa) curiosidade infinita de sair pelo mundo: quando é que você chega ao fim de uma viagem? Acabo de chegar de uma quarta volta ao mundo —e lamento informar que ainda estou procurando uma resposta. O que é algo bastante positivo.

    Nos idos de 2004, quando concluí a primeira delas —curiosamente, no mesmo lugar onde termino essa (Lisboa)-, senti um grande vazio. Fusos horários à parte, lembro-me de acordar no meio da noite, na minha casa, em São Paulo, e pensar que tinha chegado a um ponto final. Ou pelo menos a um ponto e vírgula!

    Considerando que não vai ser minha geração que vai viver o prazer de rápidas viagens intergalácticas, este mundo que habitamos, onde acordamos todos os dias, estabelece nossos limites. Uma vez conquistado, vem a questão "existencial": é só isso? O bom —como descobri quando me recuperei desse "vazio existencialista-geográfico"- é que esse "só" está completamente deslocado nessa inquietação.

    Semanas depois de ter terminado aquele projeto, logo comecei a pensar em outras voltas ao mundo. Queria fazer uma que mostrasse as diferentes manifestações religiosas pelas várias culturas que criamos. Ou que fizesse registros musicais mostrando nossa diversidade criativa. Inevitavelmente pensei em uma "volta ao mundo pelos sabores das culinárias típicas" —e, preocupado em dar um sentido maior a uma viagem dessas, por que não um roteiro no qual, em cada país, eu me envolvesse num trabalho voluntário?

    Eventualmente, consegui realizar alguns desses projetos (o que não significa que os outros foram abandonados): em 2008 saí pelo mundo em busca de patrimônios da humanidade da Unesco; em 2010, fiz reportagens nas maiores cidades do mundo, tentando entender seus grandes problemas e as soluções; e, agora, no final de 2014, escolhi a televisão como tema para explorar nossos diferentes olhares sobre nós mesmos.

    E, como não podia deixar de ser, já estou pensando na próxima volta ao mundo...

    Mas o que fica de uma vivência forte como essa? Num dos últimos jantares dessa última jornada, em torno de uma indescritível açorda, discutia com meus companheiros de viagem (que têm essa mesma paixão) o quão extraordinária é uma oportunidade como essa —e que, pelo simples fato de que pude desfrutá-la repetidas vezes, corro o risco de banalizar toda a experiência.

    Mesmo com os notáveis avanços do turismo mundial, para muita gente, o deslocamento de um país para outro é quase uma fantasia. Cruzar mais de uma fronteira, então, é uma conquista extraordinária. Uma volta ao mundo? Uma conquista épica! Como processar isso tudo, então? Colecionando não carimbos no passaporte, mas histórias das pessoas que você encontra no caminho.

    A galeria dessa última viagem foi especialmente rica. Da guia tailandesa que gostava de fingir nas lojas que visitávamos que éramos um casal ao tradutor coreano que, tarde da noite, justificava sua pressa em nos deixar no hotel dizendo improvavelmente que ainda queria pedalar 40 km de bicicleta para fechar o dia. Da bela atriz portuguesa que escolheu morar em Macau ao jovem ator mexicano que nem desconfia que o diretor vai fazer dele o galã da próxima novela. Do motorista do "tuk tuk" que trazia as marmitas para o set de gravação em Mumbai a um grande produtor na Turquia que enxugava sua segunda garrafa de
    "raki" enquanto o "crooner" do restaurante entoava baladas. Do animador de auditório em Amsterdã à barista israelense que tinha aprendido a tocar cuíca no Brasil.

    E mais: vou rir das "roubadas", ampliar as lembranças dos "selfies", recordar de solitários passeios a pé, sentir novamente os sabores que provei e lamentar passagens curtas por cidades que descobri serem mais incríveis do que achei quando as conheci pela primeira vez (Tel Aviv, por exemplo).

    E vou ter mais uma vez a certeza de que a viagem não chega nunca ao final. E desafio 2015 a me provar o contrário...

    zeca camargo

    É jornalista, apresentador e autor de livros como 'A Fantástica Volta ao Mundo' e '1.000 Lugares Fantásticos no Brasil'. Escreve às quintas,
    a cada duas semanas.

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