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    Zeca Camargo

    Madri (sempre) me mata

    12/03/2015 02h00

    Muito antes de Almodóvar –e Penelope e Marisa e Carmem e Banderas e Bardem (e Pepi, Luci, Bom...)–, eu mergulhei na capital espanhola pelas páginas de uma revista chamada "Madrid me Mata". Sim, houve um tempo em que folhas de papel colorido podiam mudar a vida de uma pessoa. E, em 1984, "Madrid me Mata" me fez tomar um decisão: a de que um dia eu moraria naquela cidade.

    Almodóvar, claro, já estava lá ensaiando seu universo inigualável nas páginas dessa e de tantas outras revistas que eu, vivendo meus excitantes 21 anos, olhava hipnotizado nas bancas fartas da Gran Via. "El Víbora", "Tintinmán" e principalmente "La Luna de Madrid". Os títulos, as cores, os grafismos, tudo me seduzia já nas primeiras horas em que eu explorava a cidade e eu tinha certeza de que iria morar lá.

    Viajando com orçamento baixo, eu só podia escolher comprar uma delas, e acabei optando pela que me parecia mais ousada: justamente, "Madrid me Mata". E tomei aquilo como meu guia. Iria a todos os lugares, todas as festas, todas as lojas, todas as galerias, ouviria todas as bandas que a revista indicava. E depois me mudaria para Madri.

    Isso nunca aconteceu, claro. Mas a vontade ainda está lá. E toda vez que passo pela cidade, como fiz agora em fevereiro, lembro-me da promessa que fiz, e chego um pouco mais perto dela. Desta vez, por exemplo, já escolhi até o bairro onde vou morar: Las Letras! Afinal, foi lá que encontrei desta vez uma "nova livraria favorita", Artimaña –para mim, o modelo do que deveria ser uma loja de livros independente.

    O problema é que essa não foi a única livraria que descobri em Madri nesta última passagem. Podia morar também perto da Pantha Rhei, ali na Hernán Cortez, e passar a tarde folheando seus livros de ilustração e fotografia. Ou ao lado da Tipos Infames, batizada curiosamente em homenagem a um quadro de Henri Fatin-Latour –e que, mais curiosamente ainda, teve a brilhante ideia de juntar os melhores lançamentos literários aos melhores vinhos. Isso mesmo, você pode comprar um ótimo livro e tomar um excelente Rioja no mesmo lugar.

    Onde criar raízes em Madri então se um dia eu mudar para lá? Quem já passou pela cidade sabe que esta pergunta é vã. A capital espanhola praticamente não quer que você fique num lugar só. Não foram eles que inventaram a "movida"?

    A ideia, então, é circular, sair "de caña en caña" (ou de copo em copo –de chope) pela Calle de la Cruz, vagar de galeria em galeria em torno do Reina Sofia, de museu em museu, fazer a ronda dos mercados e suas comidas, atender ao chamado de cada tablado de flamenco, passar por "sítios" de primeira hora (22h), de segunda hora (2h), de terceira hora (5h)... Esquecer de voltar para casa!

    Viver, enfim, a maldição da minha revista dos anos 80 –extinta na mesma década. É chegar a Madri e permitir que ela te mate de novo. Porque há sempre uma ressurreição num prato de churros com chocolate pela manhã.

    zeca camargo

    É jornalista, apresentador e autor de livros como 'A Fantástica Volta ao Mundo' e '1.000 Lugares Fantásticos no Brasil'. Escreve às quintas,
    a cada duas semanas.

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