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    Zeca Camargo

    Em casa, no Butão

    10/09/2015 02h00

    Mesmo para quem está acostumado com pousos e decolagens bruscos, a chegada a Paro foi uma aventura à parte.

    Quando estamos já em "procedimento de descida" –como nos anunciam os pilotos, quase sempre num tom automático–, um dos grandes prazeres que temos, sobretudo ao sobrevoar um território pela primeira vez, é apreciar a vista lá de cima. Inclusive a área em que você vai pousar.

    No Butão, porém, um país maravilhoso no meio do Himalaia, não é fácil encontrar espaço plano para uma aterrissagem razoável. Espremido entre o Tibete e a Índia, esse é uma espécie de paraíso nas alturas. Mas chegar lá, para quem teme voos arriscados, é uma descida aos infernos.

    O piloto sobrevoa a pequena Paro em círculos; você sente que vai perdendo altitude –só não consegue ver a pista! Aí, de repente (e não uso a expressão como mera figura de linguagem), PÁ! Você está no chão. Não me lembro de ter vivido uma aproximação tão... emocionante!

    Em compensação, uma vez lá, você se sente em casa. Mesmo a mais de 3.000 metros do nível do mar –altura em que seus pulmões já detectam que não vão ter todo aquele oxigênio a que estão acostumados-, as pessoas fazem de tudo para tornar sua estadia memorável, com o máximo de conforto.

    Fiquei hospedado, é verdade, num hotel de luxo, daqueles que, diante de uma longa jornada por terra, arrumam uma cama com lençóis e tudo no banco de trás do carro que vai levar o hóspede. Mas a gentileza estava mesmo nos detalhes –como na adolescente que oferece um pedaço da carne de iaque (uma espécie de búfalo das montanhas de lá), tão gentil que você não tem coragem de recusar.

    No Butão, fui a lugares tão lindos quanto sagrados, como o mosteiro conhecido como Ninho do Tigre: uma construção espetacular "encravada" num penhasco. Vales e montanhas paradisíacos, onde fui recebido como alguém que morasse há anos naqueles vilarejos. Mas nunca me senti tão em casa como quando cheguei à hospedagem Aman Gangtey.

    Em termos de simplicidade, as acomodações quase redefiniam a noção de um quarto espartano. Mas o aconchego ali não estava no exagero, e sim justamente na simplicidade.

    Falava-se pouco nas dependências do Gangtey, uma antiga fazenda adaptada pela rede de hotéis. Mesmo nas refeições, os parcos hóspedes mal conversavam, e a razão disso não era uma antipatia compulsória –que já encontrei tantas vezes em grupos de turistas supostamente sofisticados. Pelo contrário: o clima era de paz.

    Era na ausência de sons que aproveitávamos o cenário, extraindo do olhar algo além da sua capacidade de meramente registrar. Ali, tive –talvez mais forte do que em qualquer outro lugar do mundo– a sensação de pertencer a ele. De conexão com tudo.

    Esses dias no Butão não foram só inesquecíveis, mas fundamentais para eu me recarregar. De tranquilidade, de deslumbramento –e de coragem para entrar novamente num avião sabendo que a decolagem não seria mais suave que minha experiência na chegada por lá...

    zeca camargo

    É jornalista, apresentador e autor de livros como 'A Fantástica Volta ao Mundo' e '1.000 Lugares Fantásticos no Brasil'. Escreve às quintas,
    a cada duas semanas.

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