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    Zeca Camargo

    Que país é esse?

    05/11/2015 02h00

    Para um lugar tão pequeno como esse, eu mesmo me surpreendo de já tê-lo visitado duas vezes. A primeira foi de mochila; a segunda, de smoking. Quando faço a lista de países que conheci, sempre fico na dúvida se somo essa "cidade-Estado". Acabo sempre a incluindo, para "engordar a conta" –mas nunca sem achar que estou trapaceando. Afinal, trata-se de uma curiosidade, um detalhe geográfico, um destino improvável –a não ser que você seja membro de um exclusivo clube de milionários.

    Se um dia cheguei lá de mochila foi por mero acaso: eu era ainda universitário e fazia uma visita ao sul da França. Fiquei hospedado na casa de amigos estudantes em Aix-en-Provence, dormindo no chão com pessoas de quem não lembro o nome –e nem o rosto. Acordava cedo, pegava o trem e visitava uma cidade da região, de onde voltava ao anoitecer. Foi assim que cheguei ao principado de Mônaco.

    Naquela época, início dos anos 1980, seus príncipes e princesas ainda exerciam um fascínio mágico no imaginário. Ainda não vivíamos essa era predatória das celebridades de hoje em dia, em que ser famoso só depende da vontade das pessoas de aparecer. Os Grimaldi, a família real de Mônaco, ao contrário, preferiam se esconder. E lembro que parte do frisson dessa rápida visita inicial era contar com a possibilidade de ver Caroline, Stéphanie ou mesmo o príncipe Albert numa de suas angulosas esquinas.

    O que não aconteceu, é claro. Mas lembrei-me dessa experiência ao ver o trailer do filme que está agora em cartaz no Brasil, "Grace de Mônaco" –esse em que a mãe dessa realeza que citei acima, a atriz Grace Kelly, é interpretada por Nicole Kidman. Pelo que vi, boa parte da biografia foca o dilema de Grace, que parece nunca estar feliz por ter trocado Hollywood por um castelo e uma coroa.

    Tudo o que vi naquela primeira passagem por Mônaco me faria ser solidário a ela. A vida ali me parecia tediosa –ainda que bela. E aquele mundo parecia pequeno demais –ainda que qualquer destino estivesse a um passeio de helicóptero (ou de um jatinho esperando em um aeroporto) dali.

    Mas então eu voltei para lá de smoking, convidado de um evento improvável: um intercâmbio cultural entre Brasil e Mônaco, em meados dos anos 1990. Com o privilégio de ser tratado como "imprensa", tive acesso a construções suntuosas que só havia visto de fora, pude avançar além das chiquérrimas vitrines das lojas e joalherias e experimentei pratos ligeiramente mais sofisticados do que os sanduíches que havia comido mais de dez anos antes.

    Mesmo em um esquema bem mais confortável, não posso dizer que "vivi" mais o lugar. Lembro-me de ter ido a uma minúscula praia, provavelmente o metro quadrado de areia mais caro do universo. Circulei a pé pelas ruas que, no circuito de Fórmula 1, pareciam bem mais glamourosas. Cheguei até a tomar uma taça de champanhe num café que parecia ser da moda. Mas não posso dizer que interagi com nenhum local –se é que eles existem.

    No entanto, fui a festas elegantíssimas –sempre na esperança (vã) de encontrar alguém da família real. Numa delas cometi a gafe de, entusiasmado na pista de dança, dar uma forte cotovelada no meu anfitrião. Sinal de que me diverti...

    Mas nem por isso consegui penetrar sequer um pouco na experiência de morar lá –talvez porque, por trás daquela gravata borboleta, disfarçava-se um viajante que só estava ali mesmo para ter certeza de que poderia colocar Mônaco na sua lista de países visitados.

    zeca camargo

    É jornalista, apresentador e autor de livros como 'A Fantástica Volta ao Mundo' e '1.000 Lugares Fantásticos no Brasil'. Escreve às quintas,
    a cada duas semanas.

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