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    Zeca Camargo

    Belize Natal

    17/12/2015 02h00

    Mais que um trocadilho infame, a escolha de passar o Natal nesse país de costa caribenha tinha a ver com uma tentativa de fazer algo realmente diferente. Viajando com minha família e um grupo de amigos, decidi por Belize justamente pelo contraste que aquela paisagem prometia com relação a essa que é a maior festa cristã, celebrada em boa parte dos países do mundo –o Natal.

    Essa era uma turma que já viajava junta havia alguns anos, sempre procurando uma alternativa para as festividades de sempre. Nessa busca, já havíamos deparado com odaliscas passeando por um restaurante em pleno dia 25 de dezembro (Marrakech); um emocionante presépio vivo com animais de verdade no meio de uma savana (Namíbia, numa passagem que já comentei aqui nesse mesmo espaço); uma quieta praça medieval na madrugada de Natal (Avignon); entre outras situações e paisagens inusitadas. Mas nunca havíamos encarado um problema como esse, já que estávamos isolados numa ilha de Belize: como iríamos nos virar com os presentes de amigo secreto?

    Nos outros Natais, esse era um dos pontos altos da viagem. Sempre tínhamos uma tarde livre para sair procurando suvenires locais que dessem um colorido típico à troca de lembranças.

    Mas em Belize encontramos um verdadeiro obstáculo a esse costume: estávamos literalmente isolados numa pequena ilha, que éramos capazes de atravessar a pé em menos de 40 minutos, e cuja população (incluindo nosso grupo, mais uma família ali hospedada e mais os funcionários do hotel, que era a única construção local) não ultrapassava 25 pessoas.

    Claro que havia uma lojinha na recepção do hotel, que chamávamos de "bangalô central", uma vez que os quartos eram pequenos chalés espalhados naquele pequeno pedaço de terra, todos eles construídos em palafitas sobre o mar. Mas as opções não eram interessantes –nem sequer muitas.

    No dia 24 de dezembro, depois de um dia deslumbrante no qual os mais aventureiros experimentaram mergulhos em alto-mar, e de um pôr do sol extasiante num pagode à beira-mar numa das pontas da ilha, fomos nos enfeitar para o amigo secreto no bangalô onde estava hospedada minha mãe.

    Espalhados em redes e almofadas, e embalados por incontáveis mojitos, começamos o batido ritual –mas logo de início podíamos sentir que, naquela noite, ele seria diferente. Distantes de qualquer possibilidade de consumo natalino (como estamos acostumados), todos foram forçados a usar sua criatividade para mostrar carinho com a pessoa que tinham tirado no sorteio. E o que vimos foi uma verdadeira troca muito mais de afeto do que de "mercadorias".

    Eu tive a sorte de cair justamente com minha mãe, que ganhou então um mal-ajambrado porta-retratos feito de conchas. Uma "bobagem", né? A gente sempre quer caprichar para a mãe –ainda mais quando o aniversário dela é perto do Natal (22/12). Mas ali naquele presente, assim como em todos que trocamos por lá, estava um afeto enorme, muito maior do que qualquer presente "de shopping"...

    No dia seguinte, 25, em torno de uma mesa montada no jardim, ao lado de uma enorme leitoa que assava havia mais de 12 horas "à moda local" (isto é, enterrada num buraco aberto na areia, coberta por folhas de bananeira), celebrávamos então um Natal realmente original –na atmosfera, nas intenções, nos laços renovados com as pessoas queridas que estavam lá.

    Estávamos enfeitiçados por aquela natureza incrível, revitalizados com a energia daquelas águas e enternecidos com uma celebração que, se não era das mais tradicionais, era certamente uma das mais aconchegantes e alegres de toda minha vida: um Natal "Belize".

    zeca camargo

    É jornalista, apresentador e autor de livros como 'A Fantástica Volta ao Mundo' e '1.000 Lugares Fantásticos no Brasil'. Escreve às quintas,
    a cada duas semanas.

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