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    Zeca Camargo

    O que fazer nas Maldivas

    19/05/2016 02h00

    A paisagem diante de seus olhos é quase um insulto. É azul demais –e não só de um tom. Tem o do céu, que na verdade é um degradê de tons celestes. Tem o do mar, que nunca é de um só anil. Tem os vários matizes das toalhas na praia, dos lenços e cangas, das roupas de banho que parecem espontaneamente combinar com aquilo tudo. O branco aparece aqui e ali para dar uma cortada: numa faixa de areia, numa fina camada de espuma da onda que quebra, numa discreta nuvem que se insinua. Uma beleza... revoltante!

    Por que o mundo inteiro não é como as Maldivas?, a mente hedonista se pergunta. Nosso planeta não é escasso em lugares deslumbrantes –do verde das matas densas ao amarelo dos desertos tórridos. Mas tem alguma coisa nessa combinação de cores nessas ilhas do oceano Índico que, como em poucos cantos da Terra, nos faz refém, sequestra nosso olhar, transforma o ar à nossa volta. Então por que aqueles turistas estavam dentro do hotel jogando "Candy Crush"?!

    Não acho que exista uma "cartilha do bom viajante". Cada um explora seus destinos da maneira que achar melhor. Mas havia algo de provocador, quase irritante, naqueles visitantes, quase todos chineses, que insistiam em trocar aquela visão paradisíaca por uns ícones cintilantes numa tela pouco maior que a palma da sua mão... Bem-vindo à nova era do turismo, em que tem gente que, para colecionar um punhados de selfies num cenário exótico, atravessa distâncias e paga pequenas fortunas (e põe fortuna nisso!) enquanto o tempo vai embora num jogo de smartphone.

    No segundo dia lá, quis entender isso melhor. Assim, depois de uma manhã que começou preguiçosa, com uma refrescada matinal na minha praia particular (cada quarto tem a sua), depois de um snorkeling com um grupo de amigos (com peixes de um colorido que eu ainda estou pra ver num filme de animação) e depois de uma leve (menos no bolso) refeição num dos restaurantes com varandas estupendas e arejadas, sentei-me em uma das salas da recepção para observar os turistas em seus celulares.

    Tirando o silêncio, a cena me remeteu a uma outra imagem: Las Vegas às 4h da manhã, com aqueles caça-níqueis tilintando a promessa de um grande prêmio diante de uma gente cansada demais para explorar o mundo lá fora. A diferença é que ali nas Maldivas a natureza estava gritando para você olhar para ela. Sei que em Vegas se está a apenas alguns quilômetros de outro espetáculo natural, o Grand Canyon, mas ali tudo o que você tinha que fazer era levantar as pálpebras e olhar para aquela imensidão exuberante... E nem isso eles faziam.

    Nada contra os joguinhos –tenho também meus favoritos: adiantado em"Two Dots" e "Monument Valley", empacado em "Limbo"–, mas para isso existem horas e horas dentro de um avião enquanto não se desembarca nas férias com que tanto se sonhou. O que leva uma pessoa a chegar ao paraíso de verdade –e eu, ao descrever as Maldivas para amigos, não conseguia fugir desse clichê– e escolher um artificial?

    Não gastei mais de 20 minutos com essa minha observação. Mesmo enquanto olhava essas estranhas espécies de viajantes, deitado numa espreguiçadeira (na sombra), tinha meus pés descalços firmemente cravados no chão de areia, que o hotel fazia questão de oferecer mesmo nos seus ambientes internos.

    E foi essa sensação, dos dedos no fino tapete de grãos que ia sem interrupção até o mar, que acabou me convencendo a abandonar meu "estudo comportamental de exóticos turistas" e me conduziu de volta àquela natureza. De azuis, de brancos, até de alguns verdes. De brisas e de correntes de várias temperaturas. De conexão com o privilégio de estar num dos lugares mais lindos desse mundo e se sentir recompensado não com um placar de pontos coloridos, mas com o simples gesto de olhar as Maldivas...

    zeca camargo

    É jornalista, apresentador e autor de livros como 'A Fantástica Volta ao Mundo' e '1.000 Lugares Fantásticos no Brasil'. Escreve às quintas,
    a cada duas semanas.

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