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    Zeca Camargo

    Quando eu vim para este mundo...

    14/07/2016 02h00

    Acontece com todo viajante. Você chega a um lugar que nunca havia visitado e se sente "em casa". De repente, alguma imagem, um som ou mesmo um rosto, algo bate como "bastante familiar". E você se sente conectado àquilo tudo.

    Como já pincelei aqui mesmo neste espaço várias vezes, não sou o que se pode chamar de "esotérico" –não acredito em regressões a vidas passadas, coisas assim. Mas uma coisa eu sei que existe, e que é fato, é ciência: nossa ancestralidade. E justamente porque viajo tanto, aqui e ali acho pontos de conexão com minha história pessoal que só posso atribuir à herança que carrego comigo.

    Julgando só pelos meus traços, quando viajo mundo afora não deixo dúvidas: "sou" indiano! Por exemplo, no meu recente retorno à Índia, mais de uma vez ouvi pessoas que me conheciam pela primeira vez se dirigindo a mim em"... hindi (e não em inglês, como seria natural fazer com um estrangeiro).

    Quando eu explicava que era brasileiro, vinha sempre aquela balançadinha de cabeça, e alguma saliva eu tinha que gastar para esclarecer "minhas origens". Para ilustrar situações como essa, costumo dizer que da Grécia ao Sri Lanka eu posso ser qualquer coisa –conforme o olhar de quem me observa. E sempre termino dizendo que é uma honra para mim ser de um país cuja própria identidade veio da mistura de povos.

    Da minha origem mesmo, essa "receita de Zeca", eu só sabia o que meus pais podiam contar: o lado da minha mãe tinha presença espanhola, marcada por um sobrenome que não chegou até mim, Lóes, mas que certamente estava no meu sangue; e, no lado paterno, como comprova meu passaporte, um "de Ávila" (antes do Camargo) remete à cidade com esse nome que fiz questão de visitar quando fui uma das primeiras vezes à Espanha, ainda nos anos 1980.

    Mas é claro que quando eu vim para este mundo, já nasci com uma enorme bagagem no meu DNA, impossível de ser apagada, e que deveria ser bem mais rica do que as histórias da minha família me indicavam. Foi por isso que fiquei tão feliz quando o site de viagens Momondo me convidou para fazer um teste (conduzido pela 23andMe) que checa todos os seus traços de ancestralidade. Fui inspirado por um vídeo que eles fizeram com várias pessoas que se submeteram à experiência –com resultados surpreendentes. Quis, então, saber o que meu passado genético tinha para me revelar.

    A primeira boa notícia, quando chegaram os resultados, era a de que as histórias de família não falham: quase 95% do meu DNA tem origem europeia. Porém –e eu adoro os poréns!–, dentro dessa porcentagem, só pouco mais de 50% é ibérico, ou seja, vem ali mesmo da Espanha. Há também traços de antepassados da Itália e da Europa do Sul em geral. Mas a grande novidade era a presença britânica (e provavelmente também irlandesa) nessa minha composição: 8%!

    As surpresas não pararam ali. O teste acusou quase 4% de origem asiática (Ásia do leste) e "americano nativo" (provavelmente indígena) no meu DNA. Incrível! E mais: como bom brasileiro, acabei confirmando que, sim, eu tenho uma presença africana na minha composição. Pouco mais de 1% (1,3%, na verdade) de genes da África subsaariana, que já me deixaram confortável para explicar a afinidade que tenho com essa parte do mundo.

    Não posso negar que esses resultados mexeram mesmo comigo. Já esperava a mistura –mas tão variada assim? Fiquei pensando se esse meu desejo de abraçar os quatro cantos do planeta não tem a ver um pouco com isso. E, ciente de que esse meu "mosaico de DNA" não é exclusividade minha, perguntei-me se esse não é um desejo maior do próprio ser humano.

    O que eu já achava só por intuição –que quando viajamos estamos na verdade procurando um pouco de nós em cada lugar que visitamos– agora estava atestado pela própria ciência. Esse meu (nosso) desejo de ir pelo mundo corre nas nossas veias. Não muito diferente de como as águas correm pelos nossos rios e oceanos. Tudo uma coisa só...

    zeca camargo

    É jornalista, apresentador e autor de livros como 'A Fantástica Volta ao Mundo' e '1.000 Lugares Fantásticos no Brasil'. Escreve às quintas,
    a cada duas semanas.

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