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    Zeca Camargo

    Foi divertido ver 'os outros' tentando ser um pouco como 'a gente'

    25/08/2016 02h00

    Valentina Fraiz
    Ilustração para coluna de Zeca Camargo de 25 de agosto

    Era mais uma das incontáveis reportagens sobre a Rio-2016 –não daquelas sobre as competições, mas daquele outro tipo, que recheia a cobertura esportiva e que jornalista gosta de chamar de "matéria de comportamento". Na tela da TV, uma colagem de elogios dos turistas, brasileiros e estrangeiros, sobre a organização do evento e o próprio astral da cidade anfitriã.

    Como quem circulou pelo Rio durante a Olimpíada viu, o que esses visitantes experimentaram foi um belo misto de boas descobertas, contratempos logísticos, fortes sinais de confraternização, um contágio universal do nosso reconhecido talento para uma festa e certa perplexidade. Consumido de forma concentrada ali na sede dos Jogos, nosso, digamos, "estilo de vida" conseguiu mais uma vez desarmar e encantar quem vinha de fora. Todo mundo parecia levar na memória alguma gratidão.

    E foi assim que inevitavelmente a reportagem que via na TV começou a mostrar um agradecimento atrás do outro, em várias línguas. "Danke!", dizia sorrindo o alemão, ainda antes da final do futebol. "Domo arigatô", tentava a japonesa, se esforçando na espontaneidade. Não tenho certeza se ouvi um "Merci", uma vez que em mais de um momento cutucamos os franceses de perto. Mas fiquei feliz de perceber ali, no meio dos depoimentos, um som que conheço bem –algo que nosso registro em português escuta como "kóp-huncáp" (com esse "hu" tentando imitar o som de um breve espirro): o adorável "obrigado" de um turista tailandês.

    Essa "amostra de Babel" se reproduziu pelas ruas do Rio de Janeiro nos últimos dias, dando à cidade, que sempre foi o destino mais visitado pelos estrangeiros no Brasil, um ar ainda mais cosmopolita. Que prazer era poder ajudar um casal de norueguesas que, tentando comprar comida numa temakeria, só conseguia falar "casa, casa" ao garçom que não falava nada além de português. Ou ouvir numa padaria perto de casa um grupo de chineses se esforçando para entender o que era pão de queijo. Ou ainda explicar para dois sul-africanos que eles estavam na avenida Jardim Botânico, mas não ainda no... Jardim Botânico.

    "Caipirinha", no entanto, parece que foi algo que todas as nacionalidades aprenderam a pronunciar sem dificuldades. Por essas duas semanas diverti-me em ver "os outros" se esforçando para ser um pouco como "a gente". Na maioria das vezes, sou eu "o turista" –e foi uma delícia, como morador do Rio, poder viver um pouco essa troca de papéis.

    Viajando pelo mundo, sou sempre eu que me esforço para falar a língua "deles", para experimentar a comida "deles", para me divertir nas festas "deles", me inspirar na fé "deles", me encantar com os ritos e cerimônias "deles"... Mas, desta vez, eu era o anfitrião –o "nativo". E era eu que deveria, então, fazer as honras da casa.

    Eu, claro, e mais todos os outros brasileiros que recepcionaram tão bem essa gente do mundo todo –que, tenho certeza, voltou feliz para casa, ainda mais depois daquela bela "amostra de Carnaval" que todo mundo teve com a festa de encerramento. Essa gente saiu com gratidão na bagagem, de tanto falar, com os mais diversos sotaques, um simples "obrigado". Que, sempre que eu ouvia sair da boca de um estrangeiro, corria para corrigir. "Não fala o 'o', pra não passar recibo de gringo", eu dizia, com jeitinho. Um pouco confuso, ele (ou ela) olhava para mim lembrando o que tinha visto no aplicativo de tradução –e eu insistia para ele tirar a letra "o".

    Porque, afinal, quando a gente está mesmo agradecido –como estamos todos, ao final dessa linda Olimpíada–, expressa isso com aquela palavra que começa com "b". De "brigado"!

    zeca camargo

    É jornalista, apresentador e autor de livros como 'A Fantástica Volta ao Mundo' e '1.000 Lugares Fantásticos no Brasil'. Escreve às quintas,
    a cada duas semanas.

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