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    Zeca Camargo

    Como o engarrafamento foi se instalar na paradisíaca Bali

    19/10/2017 02h00

    Firdia Lisnawati/Associated Press
    Surfistas durante pôr do sol na praia de Kuta, em Bali

    Parece que alguma coisa está errada neste título. É fácil imaginar um engarrafamento em megalópoles pelo mundo –como Istambul, Bangcoc, Tóquio. Mas em Bali? Um destino tão paradisíaco esse, sonho de casais do mundo todo em lua de mel –e surfistas que pensam longe. Como esse mal da vida moderna foi se instalar justo aqui?

    Eu me fazia essa pergunta num fim de tarde nesta minha terceira visita a um dos lugares onde eu mais me senti feliz na minha vida: Ubud. Meu primeiro encontro com o que era então uma vila de artesão, mais de 30 anos atrás, foi uma espécie de epifania. Fui a Bali como estudante de dança –um projeto que já contei neste espaço, em fevereiro de 2015 ("A hora do gongo")– e a opção na época já foi por ficar longe das praias para me concentrar no aprendizado. E me deslumbrar com a cultura.

    Ubud em 1984 era uma rua principal com várias ruelas saindo dela, por caminhos que desafiavam a mais solta definição de uma linha reta. Tudo era feito a pé, de bicicleta ou de moto por ali mesmo –só quando saía com meu grupo para um passeio maior tínhamos o luxo de um carro, que era então quase um aborrecimento. Fazíamos as aulas muito cedo –para evitar o calor– e o resto do dia era preenchido em plena contemplação da natureza. Seria possível eu repetir uma experiência dessas três décadas depois?

    Essa era a maior questão para mim quando desembarquei em Denpasar nas minhas férias deste ano e fui recebido pelo motorista do deslumbrante hotel onde ficaria hospedado –imagine um Paulo Mendes da Rocha no meio da selva!– com um aviso de que o traslado levaria duas horas. Achei a estimativa exagerada, mas, como já aprendi a não confiar na minha memória de viajante (que diminui os atropelos e amplia os prazeres), entrei na van sem ansiedade. Que se instalou, rapidamente, logo na saída do aeroporto.

    Eu já estava com problemas para reconhecer a paisagem a minha volta –bem mais urbana do que eu tinha registrado daquela primeira vez. Admitir que eu estava preso numa avenida procurando sair do caos que se tornou a cidade principal de Bali foi ainda mais dolorido. O motorista, percebendo meu desconforto, me assegurava de que logo pegaríamos a autopista –um exagero, já que a maioria das estradas da ilha é de vias de mão dupla, sem acostamento. O trânsito de fato melhorou depois de quase uma hora –e cheguei a Ubud com apenas 30 minutos de atraso... Aliás, bem a tempo de pegar a hora do rush!

    Como sempre faço numa chegada, larguei as malas no Bisma Eight, fiz uma oferenda ao ganesha que ficava na recepção e saí para reencontrar a vila da minha juventude. Só que... Para começar, a tal rua principal estava tomada de carros -nos dois sentidos. Hordas de turistas –sem me esquecer que eu era um deles– caminhavam de escanteio entre balineses de moto e a pé carregando sacolas, numa barulhenta turba que ficaria ainda mais desordenada quando uma procissão, com imagens carregadas por pessoas de branco e acompanhadas de uma pequena orquestra de tambores e gamelãos, se juntou à paisagem. E sol punha-se indiferente atrás de um templo...

    Minha primeira reação foi de indignação. O que tinham feito com a "minha Ubud"? Lojas de artesanato barato pareciam superar as construções antigas, botequins de pizza e cerveja mais evidentes que os restaurantes de nasi goreng –e cheguei a me arrepender de ter escolhido voltar para lá nas minhas férias...

    Será que eu estava sendo precipitado? Seria possível eu conciliar as lembranças daquela primeira viagem a Bali com as transformações que ela sofreu em nome do turismo moderno? Mataria as saudades daquela beleza única e –mais importante– será que sairia de lá com vontade de voltar? Respostas no nosso próximo encontro, daqui a duas semanas!

    zeca camargo

    É jornalista, apresentador e autor de livros como 'A Fantástica Volta ao Mundo' e '1.000 Lugares Fantásticos no Brasil'. Escreve às quintas,
    a cada duas semanas.

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