• Colunistas

    Sunday, 28-Apr-2024 18:29:53 -03
    Zeca Camargo

    Mesmo com trânsito e turismo em massa, Bali continua sendo 'paraíso'

    02/11/2017 02h00

    Sonny Tumbelaka/AFP
    Turistas estrangeiros chegam ao porto de Padangbai, na ilha indonésia de Bali
    Grupo de turistas estrangeiros chega ao porto de Padangbai, na ilha indonésia de Bali

    Da cintura para baixo, uma calça larga e felpuda que terminava num tornozelo de guizos. Da cintura para cima, um tronco magro mal coberto por uma regata, apoiando o cotovelo esquerdo numa enorme cabeça de um bicho entre um dragão e um são bernardo vira-lata. No camarim improvisado, o bailarino –ou bonequeiro, já que sua fantasia o transformava num grande fantoche– se refrescava com um refrigerante conhecido mundialmente, na versão local apresentado numa cor que raramente colocamos na boca: um forte azul. Um abano na outra mão o ajudava a tomar coragem de vestir mais uma vez a gigantesca cabeça cheia de dentes.

    Os turistas lá fora, espalhados em mesas fincadas nas areias de uma das praias mais bonitas da ilha, já terminaram de jantar e só esperam pela próxima sessão para retornar ao ar-condicionado de seus resorts e, enfim conectados no wi-fi do hotel, mandar seus selfies (com emojis de "O Grito", de Munch) dessa viagem tão exótica a esse canto da Terra. O DJ solta o gamelão gravado digitalmente, e o artista fica de pé, veste sua luva, põe a máscara e entra no portal adornado para a última performance da noite.

    Outra noite num restaurante de "comida e dança" em Jimbaran -uma das vistas mais bonitas de Bali, como eu descrevia essa baía nos cartões-postais que escrevi na minha primeira passagem aqui em meados dos anos 1980. Em 2017, será que eu descreveria essa praia da mesma forma? O pôr do sol é emocionante. Mas tudo em volta parecia mudado -e a culpa era de quem? Ora, dos turistas que chegaram em massa. Eu, por exemplo.

    Na última coluna, chocado ainda com as transformações que encontrei em Ubud -a pacata vila de artesãos de 30 anos atrás, hoje frenética "feira hippie"-, eu me questionava se tinha acertado na escolha das férias deste ano... e até mesmo se ainda valia a pena recomendar Bali como um destino paradisíaco.

    Revisitando os mesmos lugares 30 anos depois, as decepções foram imensas. "O que fizeram com a minha Bali?", eu me indagava, quando a pergunta certa, claro, era "O que nós, turistas, fizemos com Bali?".

    Longe de mim lamentar os efeitos do turismo de massa -sou o primeiro a celebrar a possibilidade maravilhosa que temos hoje de explorar esse mundão. A verdadeira questão é: "Será possível descobrir beleza genuína em lugares tão explorados pela indústria das viagens populares?" Felizmente a resposta estava ali mesmo em Bali.

    Sim, você vai se aborrecer com o trânsito nas cidades e nas rodovias. Sim, você vai se incomodar com o comércio barato de souvenires. Sim, você vai torcer o nariz para a comida ocidentalizada em cada esquina. Mas aí, no meio desse "caos", em plena hora do rush em Ubud, com filas de carros parados nos dois sentidos na estreita avenida, você vê vindo uma procissão e percebe que o encanto nunca deixou a ilha.

    Gongos e gamelões e ganeshas e guarda-sóis e mulheres de jaleco e homens de sarongue e guirlandas de flores e flautas e incensos e perfumes e orações. A marcha, que passa lenta, é o lembrete de que, por mais que venham as invasões bárbaras (de turistas), Bali jamais vai deixar de ser um oásis de beleza para esse mundo tão conturbado.

    Ali naquela procissão, como na fé dos banhistas que se purificam nas fontes do templo Tirta Empul, no crepúsculo em Tana Lot, nos arrozais de Deta Jujugan e até no animal que sabe que você vai alimentá-lo na floresta dos Macacos -tudo ali é de uma beleza que nem séculos de visitantes predatórios serão capazes de destruir.

    E é por isso que já prometi a mim mesmo que vou voltar lá de novo nas próximas férias. E me lembrar de não levar na mala a tola ilusão de que, pelo simples fato de eu ter escolhido um destino, terei esse paraíso só para mim.

    zeca camargo

    É jornalista, apresentador e autor de livros como 'A Fantástica Volta ao Mundo' e '1.000 Lugares Fantásticos no Brasil'. Escreve às quintas,
    a cada duas semanas.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024