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    Caixa-preta de ônibus é como fantasma, diz sindicato de viações

    ANDRÉ MONTEIRO
    DE SÃO PAULO

    02/01/2014 03h00

    Após ter a lucratividade e a qualidade do serviço questionadas pelas manifestações, os empresários de ônibus de São Paulo decidiram contratar um técnico para representar o setor perante o poder público e a sociedade.

    Desde setembro, o novo presidente do sindicato SP-Urbanuss é o engenheiro Francisco Christovam, que fez "99% da carreira do outro lado", como diz.

    Seu primeiro emprego foi na extinta CMTC, onde chegou a presidente em 1993, momento em que era privatizada. Com seu fim, foi o primeiro a chefiar a SPTrans, empresa da prefeitura que gerencia o serviço das viações privadas.

    Neste ano, a administração deve retomar a licitação do transporte, que foi adiada. O negócio deve ser o maior da história da cidade, estimado em R$ 46 bilhões por 15 anos.
    Christovam diz que estuda novas formas de contratação.

    *

    Folha - A qualidade do serviço de ônibus é muito criticada. Como o setor vê isso?
    Francisco Christovam - Ao longo do tempo foi se criando uma imagem do serviço que é muito ruim e que não é verdadeira, inclusive.

    O cidadão sai de casa e encontra rua sem calçada, esburacada, mal iluminada, até chegar ao ponto de ônibus. Até esse pedaço da viagem, é por conta dele e de outros serviços. Quando ele entra no ônibus, e fica sob os nossos cuidados, começa a ficar bom para ele.

    Mas a qualidade é boa?
    Depende muito da hora. No pico, é crítico aqui e em qualquer lugar do mundo.

    A idade média da frota é de cinco anos, são veículos bem conservados, só que trafegam numa pista horrível, esburacada. O passageiro desce do ônibus e às vezes se repete a situação de rua mal conservada. Aí você pergunta como foi a viagem, e o que você acha que ele diz?

    A maioria dos atributos da viagem não está sob nosso controle, mas faz parte da avaliação. É legítimo, o cliente sempre tem razão.

    Como melhorar?
    Poder público e iniciativa privada devem sentar e buscar interesses comuns, porque eles existem e são fáceis de ser atingidos. Precisamos ver onde há problemas e atuar.

    Agora, o setor público só ficar querendo fiscalizar no sentido de multar, de justificar para a sociedade que está cumprindo seu papel porque está aplicando uma quantidade enorme de multas, nosso problema vai ser nos defender de multas.

    Tem de parar com essa coisa de brincar de gato e rato.

    As manifestações pediam a abertura da caixa-preta do transporte. Ela existe?
    A resposta é da ex-prefeita Luiza Erundina: quando abrir será um surpresa, verão que não tem nada. É como fantasma, quando você tira o lençol, nada há embaixo.

    A caixa-preta não existe, é tudo publicado no "Diário Oficial". Não se pode mais ficar com essa conversa de que empresário só visa lucro. Você conhece algum empresário que só cuida de benemerência?

    Aqui é um trabalho que precisa ter lucro, que é reinvestido, as empresas estão cada vez mais profissionalizadas. No passado havia a questão da sonegação, algumas empresas não recolhiam determinados tributos, mas hoje isso tudo é cruzado.

    O que o setor espera na próxima licitação?
    Só haverá bons resultados se houver disposição da prefeitura de sentar conosco. Em nenhuma atividade se consegue aumentar a qualidade e a quantidade e reduzir o custo.

    Se querem melhorar a qualidade, oferecer mais lugares, ter mais ônibus rodando e querem pagar menos, essa fórmula não fecha.

    Mas há críticas de que a planilha de cálculo da tarifa não corresponde à realidade.
    A planilha precisa ser atualizada, ela foi desenvolvida na década de 1970. Já evoluiu muito a tecnologia, a forma de operação. Não é uma conta de padaria, é um assunto complexo, mas há uma diferença entre custo e tarifa.

    O papel do empresário é com o custo, a eficiência. Tarifa é problema do poder público, é uma questão política e social. Se ela quer cobrir esse custo, tem duas maneiras: a tarifa do passageiro e o subsídio. O primeiro paga o usuário, o segundo os contribuintes. Para as empresas isso não faz diferença.

    Haddad encomendou um estudo para se criar uma viação pública, para atuar, por exemplo, em situações de emergência. Como o sr. vê a iniciativa?
    Não existe a mais remota possibilidade de se conseguir que uma empresa pública opere em condições de competitividade com o setor privado. A empresa pública precisa fazer concurso para contratar pessoas. As comprar são por licitação, você compra o mais barato, não o mais econômico.

    Na empresa você pode comprar até o mais caro, mas que dura mais. A empresa pública tem os órgãos de fiscalização, para tudo ela tem que dar satisfação. Então não queira comparar eficiência, competência gerencial, de um pro outro.

    Agora, a decisão pode ser política, queremos ter uma empresa pública e pronto. É legítimo, mas não sei para quê. Ter uma empresa para operar de vez em quando? Vai ter um efetivo de trabalhadores jogando dominó e esperando uma situação emergencial? A frota toda parada, e a população demandando melhor serviço?

    Existem empresas públicas em outros países.
    Há outros modelos interessantes. Nos foi solicitado um levantamento de modelos de contratação e de gestão mundo afora. Em alguns lugares existe a operação de frota pública, o material rodante é do Estado e a operação é feita pelas empresas. Já fizemos isso aqui quando privatizamos a CMTC, com os trólebus.

    Mas existe um outro modelo, mais interessante, que é a operação da frota privada pelo poder público. Ele dá a ordem de serviço: preciso de ônibus com tal tipologia, nesses horários, tripulado, limpo e funcionando.

    A operação fica toda pública, então não precisa criar empresa, é só se preparar para fazer a operação. Para a empresa privada, qual é o problema? Faço a limpeza, contrato o motorista e o cobrador, e coloco à disposição no horário e local que quiserem operar. Ele circula, aí de noite recolho e faço a manutenção, e no dia seguinte entrego.

    Esse modelo já funciona em algum lugar?
    Nós estamos vendo, são discussões que estamos fazendo aqui no sentido de buscar um modelo de relacionamento iniciativa privada/poder público melhor. Criamos comissões internas para estudar e apresentar propostas.

    A gente ouviu durante muito tempo que não adiantava conversar com empresários que eles não tinham proposta. Isso deixou de ser verdade. O SP-Urbanuss contratou o Jaime Lerner, um dos urbanistas mais respeitados, para fazer um estudo teórico de soluções para o transporte por ônibus na cidade de São Paulo. Isso é ser proativo, chegar e dizer à prefeitura que essa é uma ideia.

    O estudo já foi entregue ao prefeito e ao secretário Jilmar Tatto. É uma mera contribuição, mas foi uma mudança de postura para um setor que sempre foi reativo, caudatário das decisões do lado de lá. É só um sinal de que, do lado de cá, as coisas mudaram.

    Como o sr. vê o regulamento de multas da prefeitura?
    É ultrapassadíssimo. Na pior das hipóteses tem que ser atualizado, temos quatro propostas de alteração do regulamento, que simplesmente foram ignoradas. Quem está lá prefere como está, tem multa disso, multa daquilo, multa do veículo, multa do operador.

    Quando estava lá preferia informar a empresa sobre o dia da fiscalização. Eles deixavam a frota impecável e, no dia seguinte, não ficava nenhum ônibus lacrado, estava tudo na rua. Eu quero voltar a discutir nesse nível com a SPTrans. O que do regulamento vocês querem manter?

    Por exemplo, "é extremamente importante a qualidade do motorista". Eu também acho, ele é um propagandista do nosso serviço. Mas hoje acontece dele falar no celular, aí ele é denunciado e a multa vem pra empresa. E outra, foram reclamar disso com o secretário passado e simplesmente hoje se você repassar uma multa em um motorista por uso de celular, que é absolutamente pessoal, o sindicato para a garagem.

    A empresa faz treinamento, diz que não pode usar, inclusive por risco de acidente, mas o cara usa, é multado pela SPTrans, e a multa é para a empresa. Esse regulamento precisa ou não precisa ser revisto?

    Acho que temos que sentar, achar uma solução para isso. A oportunidade é o novo contrato. É um novo modelo, tem que mudar o tipo de multa. Já pensou se vinga esse modelo de operação de frota privada? Se eles vão operar, eles vão multar eles próprios? Aí muda, porque a multa em cima de mim vai ser se eu colocar à disposição do tráfego um veículo que não deveria ter sido colocado, com banco solto, por exemplo. Então tudo vai mudar.

    Qual a posição do sindicato sobre a ideia de fiscalizar o cumprimento de viagens pelo GPS dos ônibus?
    Temos um problema de sinal. Olha aqui. [Mostra o celular apontando 'sem serviço']. Isso é Vivo, se fosse no ônibus, todas as viagens agora não estariam sendo marcadas. Nos ônibus o sinal é da Claro, mas às vezes tem áreas de sombra também.

    Pode fiscalizar com o GPS, mas nós estamos questionando com a SPTrans de ter o direito de se defender, quando disserem que não fiz uma viagem, pela catraca. Porque se a catraca estava funcionado, como é que estou transportando passageiro se o veículo não está rodando?

    Mas a SPTrans não quer, diz que vão controlar pelo GPS e sinto muito, se ele não registrar, não vou receber a viagem. Assim não topo. Isto ainda está em discussão, mas o princípio da coisa não é assegurar que o veículo estava em operação, o lado deles é que o GPS tem que funcionar.

    Nós sabemos, mas não sou dono do sinal. O sinal emitido pelo equipamento trafega pelo sistema da Claro, como eu faço quando cair? São essas coisas que precisamos qualificar melhor a relação, mostrar que estamos em outro momento. Precisamos de parceria, se for antagonismo, se for cada um cumprir só o seu papel, volta o modelo que já vimos e não dá certo.

    Como o setor avalia a implantação das novas faixas exclusivas?
    Foi a constatação de que o transporte coletivo por ônibus precisa de um espaço reservado. Os números estão aí, mostraram que houve um aumento de velocidade, de passageiros, aceitação dos usuários, aceitação pelos usuários do automóvel, porque disciplinou o uso da via.

    Antes os ônibus circulavam por todas as faixas, agora aquela é dele, as outras ficam com o automóvel.

    Com esses movimentos todos, os técnicos começaram a pensar numa resposta rápida, não dava pra ficar contratando estudos, partiram para a implantação. Começaram a implantar as faixas, o resultado é esse que está aí, muito positivo.

    Mas mais positivo ainda foi o usuário perceber que pela primeira vez ele foi lembrado. "Até que enfim olharam pra mim, quando antes eu reclamava que precisava de mais ônibus". Não precisava, mas ele não é técnico, não tinha condições de avaliar que não precisava de mais ônibus, precisava de mais espaço para o ônibus poder andar.

    Houve uma valorização a ponto do transporte coletivo atrair o usuário do transporte individual, coisa que não a gente não assistia há anos.

    Antes acontecia aquilo do usuário de carro dizer que só passava para o ônibus se melhorasse a qualidade do serviço, mas para melhorar precisava de medidas estruturais. Então ficava um círculo vicioso e a gente não saía dele. Quando rompeu esse círculo, por menor que seja esse rompimento, mostrou que de fato as coisas precisam ganhar uma escala de valores diferente.

    Mas as faixas vão se esgotar, vão chegar em um ponto limite, então é absolutamente necessário aumentar a velocidade de implantação dos corredores.

    Também é necessário atuar agora em outras questões, como o posicionamento dos pontos. Ponto de ônibus é como feira, todo mundo quer um ponto próximo de casa, mas na frente na casa do vizinho. Então os pontos andam muito, aí a regularidade do espaçamento entre os pontos fica comprometida.

    A questão da semaforização é outra questão. E tem uma briga: onde passa ônibus não pode ter estacionamento, a via é do ônibus.

    Se os ônibus aceleraram, também houve aumento dos congestionamentos.
    Trouxe um impacto no transporte individual, mas há muito tempo a gente podia prever que isso ia acontecer.

    A gasolina sendo subsidiada, a facilidade de aquisição dos veículos cada vez maior, em prol de não gerar desemprego, vide o que aconteceu com a questão do ABS. A preocupação não era com a segurança, era se isso ia aumentar o valor de veículo, consequentemente reduzir vendas e consequentemente gerar desemprego. É uma equação perversa.

    Para o brasileiro, principalmente morador das grandes cidades, o automóvel tem uma outra imagem, que é o status. "Eu antes andava de ônibus, agora eu ando de carro". É muito difícil para o cidadão ter um carro e só usar no fim de semana. Não, ele quer vir trabalhar. Se começa a ficar caro esse deslocamento, ele começa a dividir com a vizinhança, faz a carona solidária informal.

    E assim vai indo, então as ruas ficaram apinhadas de carro e saturou. Ao saturar, complicou ainda mais a circulação dos ônibus. O custo de produção do serviço subiu muito, porque um veículo que poderia fazer três viagens de manhã, passou a fazer duas e às vezes uma só. Reduziu a oferta de lugares, e ao reduzir a população reclamava, pedia mais ônibus. Não adianta, porque só ia mudar o local onde ele espera, em vez de esperar no ponto, esperava dentro do ônibus.

    Como o sr. avalia o uso dos corredores e faixas de ônibus pelos táxis?
    Eu acho que na faixa exclusiva, junto à calçada, é impossível. Porque ali o veículo não só circula, mas ele para para embarcar e desembarcar passageiros. Então é inquestionável a interferência que o táxi causa na circulação do ônibus.

    Junto ao canteiro central, onde ele não para para pegar passageiro, ele só circula com passageiros, eu tenho que me render às manifestações dos motoristas de ônibus. Eles são absolutamente taxativos: atrapalha, e muito. Porque ele entra no corredor, ele sai do corredor, fica entrando e saindo. Então é uma questão a ser discutida.

    Acho que é muito sério, é um impacto que a proibição vai causar, então acho que os técnicos estão certos, tem que medir mais, discutir mais. Para os motoristas de táxi, essa medida é contundente. Como tudo, onde você conquista, depois não quer perder.

    Mas essa questão começou com a pressão do setor de taxistas de querer usar, sem nenhum cabimento, a faixa da direita. Tivessem eles ficado quietos usando o corredor, o assunto não teria vindo à baila. Mas veio, fizeram uma pesquisa, e mostraram que prejudica a velocidade em 25%. É muito significativo.

    Haddad tem um plano ambicioso de corredores, como havia na licitação de 2003 e que acabou não sendo feito. Acha que será diferente?
    O grande ponto negativo desse contrato vigente é que foi feito em cima de um planejamento, de uma expectativa de que aquilo ia acontecer, e não houve.

    A busca da melhor qualidade no transporte passa por três vetores, o primeiro é o hardware, ou seja, a infraestrutura, corredores, semáforos, manutenção do pavimento. O grande problema das obras em São Paulo hoje são os licenciamentos. Você precisa fazer estudos de impacto, licenciamento prévio para instalar o canteiro, para início da obra, são uns entraves.

    Eu não questiono isso, mas precisa haver um empenho político, quase assim, o prefeito montar um gabinete para tocar essas obras e ali as coisas serem resolvidas. Se tiver que ir no Ministério Público, vai, se tiver que ir no Tribunal de Contas, vai, pra ir tirando os obstáculos.

    A morosidade não está na indústria da construção, não temos falta de mão de obra, de material, temos os óbices que hoje são colocados por esses órgãos fiscalizadores, particularmente de meio ambiente. Não faço crítica, é uma constatação. Acho que eles são extremamente importantes, mas tem que haver um diligenciamento para que as obras não sofram solução de continuidade.

    Então é possível fazer, se houver um empenho, uma determinação política, inclusive. Se o prefeito com isso, resolve. E minha avaliação é esta é a bandeira hoje. Veja a avaliação do primeiro ano do prefeito, é crítica para todo lado, exceto na área de transporte. Foi meio que uma oportunidade que surgiu, e ele pegou. Acho que, à semelhança que o Kassab fez com a cidade limpa, que trouxe benefícios enormes para a cidade, mas politicamente para ele também, o Haddad está com a faca e o queijo na mão.

    O transporte é o assunto do dia, e costumo dizer que o transporte afeta o dia a dia de toda a população, seja porque ela é usuária, seja porque ela é beneficiária, seja porque ela é atrapalhada pelo transporte.

    Quais os outros dois vetores?
    O segundo vetor é o software, ou seja, os sistemas de controle, não deixar os ônibus formarem comboio, manter a distância, controlar a circulação; e tem um outro que é o peopleware.

    É uma questão de treinamento, de comportamento, seja do operador, seja do usuário. Temos que fazer com o transporte coletivo mais ou menos o que houve com o meio ambiente. Hoje as crianças, os adolescentes, todo mundo tem uma consciência diferente. Precisamos mudar esse estado de coisas, da percepção do serviço, inclusive.

    Nesse negócio dos incêndios em ônibus, ficou muito claro que não estão colocando fogo por causa da qualidade do transporte, é movimento por causa de sem-terra, do cara que foi assassinado na periferia por um policial.

    Aumentou o número de ônibus depredados?
    De depredação, quebrar janela, banco, furar pneu, saímos de 600, em números redondos, para 1.200, o dobro. De incêndio, saímos de 53 no ano passado para 63 neste ano. Isso só nas concessionárias, se somar as permissionárias são mais dez.

    E o grande prejudicado é o usuário, não tem outro. Primeiro porque o ônibus incendiado no dia seguinte não roda, segundo que ele já tinha sido depreciado, então o custo operacional dele estava menor e vai ser substituído por um novo. Às vezes tem seguro, às vezes não. O prejuízo é da população, não tenha dúvida. Temos que despertar uma nova consciência, 'botar fogo em ônibus, que coisa fora de moda'.

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